Os campeões não premiados pelo Oscar

Humano(s), demasiado humano(s)
(contém um ou outro comentário que pode ser considerado spoiler)

Não sei se foi minha impressão ou se de fato os indicados a Melhor Filme esse ano estão mais… humanos. Dos nove indicados, seis são baseados em fatos reais, e apenas três – Ela, Nebraska e Gravidade – não são. Entretanto, tanto Nebraska quanto Ela, fazem uma profunda leitura do fator humano.

Não tenho estatísticas das premiações dos anos anteriores para endossar minha percepção, mas 2014 me parece o ano dos filmes sobre as questões humanas.

Em meio as mazelas e as atitudes sórdidas dos homens, como mostram, respectivamente, 12 anos de Escravidão e O Lobo de Wall Street, da fé, da luta para se manter vivo e “voltar pra casa” em Gravidade e Capitão Phillips, ao simples desejo, ou sonho de “ser alguém” perante à sociedade… alguém íntegro, alguém melhor, como no divertido Trapaça*, o cinema imita a vida ou extrai dela o melhor conteúdo para contar estórias.

Apesar de Blue Jasmine, não ter entrado na lista dos indicados para Melhor Filme e nem Melhor Diretor (o que particularmente achei uma injustiça), o filme, de forma elegante, aponta sutilmente o dedo para uma sociedade moralmente decadente onde os pobres se alimentam do sonho de ser como os ricos, e os ricos se alimentam dos sonhos dos pobres (e tudo bem se você não reparou ou não viu dessa forma porque Cate Blanchet preenche a tela de tal forma, e com aquele figurino arrasador, concordo, que nos concentramos mais na interpretação de sua personagem que no motivo real da jornada da sua personagem).

Não foi então uma surpresa que o “favorito” da Academia (e do público) tenha sido 12 anos de Escravidão – levou o Oscar de Melhor Filme, Melhor Atriz Coadjuvante para Lupita Nyong’o e Melhor Roteiro adaptado. Sim, o filme é bom, tem uma belíssima fotografia e ótimo elenco. Além disso, denuncia o maior crime da humanidade; e digo maior não porque não existam, ou tenham existido outros crimes, como os crimes de guerras por exemplo, mas a verdade é que a escravidão durou anos… e ninguém pode culpar ou responsabilizar uma ou duas nações. Todas as nações foram responsáveis ou coniventes com a escravidão (e que, infelizmente ainda, é uma realidade em muitos lugares no mundo). Assim, me parecer que premiar 12 Anos de Escravidão, é meio que a redenção humana de todos nós.

Na contramão das grandes tramas, estórias complexas e de cenários vertiginosos, ou seja, passando longe dos orçamentos astronômicos, mas com grande roteiros, os personagens principais dos filmes Philomena, Nebraska e Clube de Compras Dallas vivem papéis de pessoas normais… aquelas, da base da pirâmide da estrutura social. Pode-se dizer até que sem nenhuma complexidade e levando aparentemente uma vida “tão normal” como qualquer um de nós. Não são ricas ou poderosas, nem cientistas, nem heróis, nem vítimas ou reféns. São livres. Donas de suas próprias escolhas. Poderiam ser qualquer um – seu vizinho, alguém com quem você estudou, que você cruzou no supermercado, ou talvez em uma festa, ou mesmo seu companheiro de trabalho.

Uma mãe que busca encontrar o filho que lhe foi tirado e conta com a ajuda de um jornalista que tem reservas digamos… às questões humanas, em Philomena; um homem que tenta recuperar sua dignidade e deixar algo valioso para seus filhos, Nebraska; um texano homofóbico que nos anos 80 descobre ser portador do vírus HIV e encontra o apoio e uma tábua de salvação em uma única pessoa… um travesti, em Clube de Compras Dallas; e finalmente, um homem bem sucedido, sensível, porém solitário que encontra no sistema operacional do seu telefone o conforto de voltar a se relacionar “com uma mulher” e com ele mesmo, em Ela.

Com grande estórias e atuações brilhantes, os melhores filmes da temporada não foram os grandes premiados da noite. Philomena, Nebraska, O Lobo de Wall Street, Blue Jasmine, e por que não, Trapaça, não levaram nenhum prêmio. Ela, acabou levando o Oscar de Melhor Roteiro Original. Clube de Compras Dallas, um filme excelente e verdadeiro (meu preferido), mas de budget baixo para os padrões de Hollywood (US$5 milhões), foi premiado pela atuação de Mathew McCounaghey (Melhor Ator) e Jerad Leto (Melhor Coadjuvante). Blue Jasmine levou o Oscar de Melhor Atriz para Cate Blanchet. Amém.

Todos perderam, de certa forma, para o investimento de 100 milhões de dólares e para a tecnologia de Gravidade, que levou 7 prêmios, incluindo o de Melhor Diretor.

Talvez Nietzsche explique.

Nota da autora
*Trapaça é um filme ficcional, mas baseado em alguns fatos que realmente aconteceram, segundo o próprio filme anuncia.