Ano Sabático – Parte VIII

Simplesmente Roma, de Amor

Estava lá eu embaixo de um Sol de 30 graus e na adrenalina do sistema de ônibus italiano. Ao mesmo tempo que uma ressaquinha insistia em não me deixar, dúvidas caraminholavam na minha cabeça… Se eu tivesse recebido a informação exata “seu ônibus sairá daquele ponto azul às 11h00”, mas não, a única coisa que eu sabia é que era “por ali” que o ônibus ia chegar e partir para Roma.  Além disso, duas norte-americanas contavam comigo: elas estavam tensas porque haviam perdido um ônibus que resolveu sair 10 minutos antes do horário programado… e elas não estavam lá nos 10 minutos antes.

Eu tinha resolvido ir de ônibus para Roma por dois motivos: primeiro, porque bastava eu descer do elevador e atravessar a rua para pegar o ônibus – eu não precisaria ir até Florença e de lá pegar o trem – e o tempo de viagem era o mesmo; e em segundo lugar,  viajar de ônibus eliminava uma parte estressante da viagem pra mim: o maledeto bagageiro do trem!

Enquanto isso, eu traçava um plano B caso eu perdesse o ônibus… ficaria mais um dia na Toscana? Por que não? Ou iria de ônibus para Florença e de lá pegaria um trem para Roma? Quando eu já estava relaxando e me entregando a ficar mais um dia em Siena, o ônibus chegou para alegria e conforto das norte-americanas. Mais de Siena ficaria para próxima vez.

Demorei para escrever esse post, mais que o normal porque, confesso, quando cheguei em Roma, à primeira vista, senti a cidade parecida com a minha São Paulo. Só que diferente, claro. Muita gente. Muito barulho. Muitos turistas. Nenhum charme. Pensei, OK, respira você acabou de chegar.

Segui de táxi para o hotel e fui buscando sinais. Afinidades. Nada. O hotel, uma agradável hospedaria, a poucos passos da Piazza Navona (com o melhor sinal de internet que tive acesso na Itália) pertence a um simpático casal de italianos (italianos mesmo) beirando os 70 anos, talvez mais, que não cansavam de me dizer que Elizabeth Savalla já havia se hospedado lá… “eri una ragazza”!

Logo compreendi que estava localizada em lugar bastante turístico, mas para quem quer e gosta de explorar a cidade a pé, vale a pena se hospedar numa área mais central. Corri para a Piazza Navona… e então…?!! É muito difícil quando você está em estado de graça, como eu estava desde a Liguria, chegar em um lugar e achar que você errou o endereço.  Foi mais ou menos isso que senti quando olhei a Piazza Navona.

Não me dei por vencida, fiquei alguns minutos lá e continuei caminhando, sem me preocupar onde eu iria chegar e cheguei no Pantheon… Que realmente é impressionante. Mas está em “meio ao caos”  – entre incansáveis flashes  e um blábláblá sem fim enlouquecendo o sistema de som que não cessava de repetir em seis idiomas, talvez mais, silencio, per favore.

O Pantheon é um lugar sagrado. E é mesmo. Não só pela força arquitetônica, das suas colunas e da sua cúpula, que durante muito tempo foi a maior na Europa Ocidental, até Brunelleschi construir o Duomo de Florença, mas porque foi construído para ser um templo dedicado aos deuses romanos. Mais tarde, se tornou um templo cristão, mas logo depois, nas mãos de Adriano, um visionário, se tornou um templo ecumênico.

Além do meu diário, celular e máquina fotográfica, eu tinha também um livro como companheiro, o Férias Pagãs, de Tony Perrottet. O livro, muito divertido, trata de um estudo sobre a rota de férias (sim, o turismo) dos romanos, que segundo o autor, foram os primeiros turistas ocidentais ou os mais empolgados. Fascinado com sua própria pesquisa, o autor nos conduz através da sua jornada em companhia da sua namorada, grávida, a conhecer a rota preferida dos romanos – de Roma a Alexandria (hoje Egito)! E paralelamente, segue nos relatando fatos históricos. Ou seja, é tudo verdade!

Senti pela narrativa que ele não tinha assim… amado Roma. De fato ele fora bem crítico. Lembro até que cheguei a ter um pensamento, ainda que bem humorado, ai esse cara é muito ranzinza, e de repente, lá estava eu me identificando com ele e suas primeiras impressões sobre a cidade aberta. Me senti um pouco triste, perdida, irritada por ter deixado aquele cenário da Toscana… Até que a boa notícia chegou no whats app: alguns amigos que estavam em Siena, ficariam um dia em Roma e me convidavam para jantar. Era hora de colocar a noite de Roma à prova.

Depois de uma noite deliciosa, entre vinhos, pastas e risadas (e um garçom que fazia graça dizendo que meu italiano era perfeito), no dia seguinte, saímos a pé nos perdendo nas ruelas e vicolis até chegarmos a Piazza di Spagna! Onde comecei a entrar no clima de Roma e fui presenteada com mais um casamento para alegria dos meus registros de viagem. Os noivos até posaram para minha foto.

Seguimos passeando em direção à Roma Antiga e paramos para um drink em um lugar onde tínhamos uma vista perfeita do Coliseu. Levei alguns segundos para absorver isso… Estou em Roma, aquele é o Coliseu, e aqui tem muuuuita história. Estou diante de um ícone importante da história! Mas, diferente da Acrópole ou das ágoras em Athenas, para traçar uma comparação que considero compatível, eu não conseguia me impressionar ou me emocionar com o Coloseo.  Talvez por ter sido usado para fins violentos. Talvez eu seja muito sentimental.  Talvez eu estivesse na TPM. Seja lá o que fosse, eu me perguntava por que eu não consigo encontrar aquela “graça”, aquele rompante de paixão por Roma?! Minha irmã, uma das minhas melhores amigas, os turistas, todos aqui amam Roma! Tanta gente ama Roma. Woody Allen ama Roma!

Fiquei me perguntando, aonde foi mesmo que isso começou? Será que a aura de La Dolce Vita, de Fellini, persiste até hoje? Ou será por conta de toda história de conquista do império romano? Sim, porque ao caminhar pela cidade você praticamente tropeça na história, leia-se, nos sítios arqueológicos, e diga-se de passagem, um em cada esquina. Aí você entende… e provavelmente o seu pensamento será “Oh meu Deus, é tudo verdade! Aconteceu mesmo”.

Eu precisava de mais tempo. Ainda estava no clima da Toscana, das paisagens bucólicas… E estava muito quente. A mudança de tempo foi brutal, como foi a minha própria mudança de espaço.

Já tinha feito um reconhecimento  prévio de Roma passando pela Piazza Navona, pelo Pantheon, pela Piazza di Spagna, e tinha uma panorâmica do complexo do Coloseo. Tomei a direção ao rio Tibre. Ficar perto da água com certeza me faria bem. Caminhei pela sua margem até os descolados bairros de Trastevere e Campo de Fiori. Entre lojinhas, cafés, restaurantes, igrejas escondidas, crianças comemorando a chegada das férias, pessoas conversando nas praças e um italiano e outro fazendo graça, Roma começava a se descortinar para mim.

Mas como gosto (muito) de história, não poderia, em Roma, deixar de conhecer os principais pontos turísticos; turísticos sim, mas cheios de conhecimento sobre a humanidade. E no dia seguinte, fui de coração aberto. A visita ao Coliseu e ao Forum Romano “foi salva” pelo Monte Palatino. Precisei de muita coragem para escrever isso, mas as/os apaixonados por Roma, me perdoem, não achei a menor graça no Coliseu. Sim ele é incrível como arquitetura, como monumento. Mas não fui tocada pelo seu poder imperialista. Fiz algumas fotos, observei as pessoas realmente impressionadas, provavelmente tentando imaginar os leões e gladiadores, até as invejei um pouco, e ponto. Rapidamente corri de lá.

Eu estava bem equipada pra fazer meu passeio, uma sombrinha (romana/chinesa que comprei de um argelino), uma garrafa de água, que eu podia abastecer nas bicas que a cidade oferece (e pode confiar, a água é boa), um pacotinho de frutas secas e um saquinho de cerejas. Mas o fato de não ter nada, nenhum suporte, como uma loja, um café, e monitores de apoio ao turismo me incomodou bastante. Me sentei embaixo de uma árvore (que é quase uma raridade na cidade) e fiz meu break antes de seguir adiante naquele dia escaldante para ver aquela parte da Ancient Roma, o Palatino, que é lindíssimo, com jardins e árvores diferentes; tudo muito… romano!!!

Apesar de estar a poucos passos do Coliseu, o Palatino parece, ou parecia, não fazer parte do complexo. Talvez por isso gostei tanto. Enquanto as pessoas disputavam um espaço no Coliseu, ele estava lá, tranquilo, sereno, com instalações de arte moderna que mereciam ser contempladas em total silêncio, sem pressa. Nem a sensação de caminhar pelo Forum Romano, de tantas histórias e onde Julio Cesar foi assassinado, superou a sensação da minha visita ao Palatino.

Não me dei por vencida, fiquei alguns minutos lá e continuei caminhando, sem me preocupar onde eu iria chegar e cheguei no Pantheon… Que realmente é impressionante. Mas está em “meio ao caos”  – entre incansáveis flashes  e um blábláblá sem fim enlouquecendo o sistema de som que não cessava de repetir em seis idiomas, talvez mais, silencio, per favore.

O museu do Vaticano é uma aula de beleza estética e organização. É tudo impecável. E sim, a Capela Sistina é impressionante mesmo, emocionante, e estar lá, onde o silêncio é respeitado e as fotos proibidas,  realmente é uma experiência transcendental.  Ou ao menos, foi pra mim.

Lembro que estava resistente em passar uma manhã ou uma tarde no Vaticano, mas valeu cada euro, cada passo dado pra chegar lá. Por isso venci a preguiça e o cansaço e depois de um gelato na tradicional e indicada gelateria Old England, segui até a Basílica de São Pedro, onde, independente da fé, provavelmente você terá aquele rompante de emoção; eu tive, e quando percebi, me emocionei porque estava finalmente emocionada…

Depois, era desfrutar da noite em Trastevere ou Campo de Fiori.

Uma tarde resolvi enfim conhecer a Fontana di Trevi. Vinha adiando minha ida até ela porque receava pela minha reação. E a Fontana di Trevi pra mim, era o ícone maior de Roma. Eu mal conseguia me aproximar para jogar minha moedinha ou fazer a fotinho clássica, “eu aqui, na Fontana di Trevi”. O cenário não era nada parecido com a famosa cena de Anita Ekberg na fonte observada por Marcello Mastroianni. Mas me arrisco a dizer que aquele cenário, em junho deste ano, daria uma boa cena “Felliniana” quando em meio a multidão surge um casal, que acabara de se casar, em busca de um lugar ao Sol na Fontana mais concorrida do mundo para selar aquele momento.

Eu ainda me sentia confusa e sufocada, às vezes indiferente, mas resolvi dar uma chance (a mim ou a Roma?) e estendi minha estadia em mais três dias. Cheguei a desconfiar que estava sofrendo da tal síndrome de Stendhal (que eu não sabia da existência até ser mencionada no livro que eu estava lendo). Conhecida também como síndrome da sobredose de beleza, “é decorrente do excesso de exposição do indivíduo a obras de arte, especialmente as obras do renascimento italiano (!!!), sobretudo em espaços fechados… pode causar alucinações, confusão mental, vertigem, taquicardia, entre outros sintomas”(!). Fechei o Google e levei adiante minha decisão.

Mudei de hotel, e deixei de ir em vários lugares interessantes, ou pontos turísticos para me perder entre as ruelas de Roma e passar mais uns dias sem programação, sem planejamento, sem buscar conhecimento, história, ou qualquer outra coisa. Acordava e saía para andar. Fui na lavanderia, fui a feira, comi pizza na hora do almoço, visitei uma livraria linda em um museu de arte contemporânea (totalmente vazio). E já que estava na Itália, experimentei: almocei na hora do almoço e depois fui tirar minha sesta. É uma delícia. Parei nas lojinhas interessantes, fui ver o pôr-do-sol na Piazza di Spagna, sentei embaixo das árvores à beira do Tibre para escrever algumas páginas do meu diário. Na volta das minhas andanças, por uma questão prática, para não errar o caminho, mas no fundo,  mais romântica que prática, passava pela Fontana di Trevi. Durante três dias fiz isso e era como se a Fontana, já fizesse parte da minha vida.

Enquanto divagava comigo mesma sobre Roma, lembrei de um jantar em São Paulo, com duas amigas, alguns dias antes de embarcar. O motivo era minha viagem e a nova etapa da minha vida. Falávamos sobre meus planos. Na verdade elas falavam. Meu plano era ter menos planos. As pré-viagens me deixam nervosa. Receio pelas expectativas. Prefiro não tê-las.  Ouvia as ideias delas sobre o que eu deveria ou poderia fazer, ficar ou não ficar, já combinavam até quando iriam me visitar em Roma. Eu, ouvia, mexia minha taça de Shiraz olhando para o nada, até que minha amiga, Ciça, comentou: “Roma é amor né?! Se você ler ao contrário… Amor Roma…Roma Amor”.

ROMA

AMOR

R A
O M

M O
A R

Saí daquele torpor e comecei a lembrar das minhas referências de Roma, começando pelo cinema, minha paixão: o clássico A Princesa e o Plebeu, o açucarado Comer Rezar Amar, os cult movies Diário de Bordo e Cidade Aberta, o caricata Para Roma com Amor, e claro, La Dolce Vita (tem mais lá no meu Blog).

Era isso. Roma é Roma. A história do império romano e de conquistas. Grandiosa. Confusa. Agitada. Romântica. Divertida. Rica. Poderosa. Linda. Lotada. Do amor. Bastou lembrar dos meus filmes preferidos para compreender Roma. Ela estava lá, a cidade aberta, aos meus olhos. Bastava eu querer vê-la e vivê-la simplesmente como… Roma.

Por isso, quando deixei Roma para seguir viagem para Costa Amalfitana me despedi emocionada: entendi que havia mais em Roma que Roma podia me mostrar naquele começo da alta temporada. E principalmente, que eu podia enxergar… Certamente, voltaria. Mas não sem antes me despedir da Fontana, jogar minha moedinha e fazer minha foto clássica, eu na Fontana di Trevi.