Ser vegana

Primeiro, quero fazer uma ressalva: com este texto, não quero convencer ninguém a ser vegetariano ou vegano. Quero apenas dividir a minha experiência, as minhas dificuldades e descobertas, para assim quem sabe ajudar quem está tentando ou gostaria de seguir este caminho e torná-lo menos solitário.

Depois de viver um período delicado de saúde, cuidar da minha alimentação deixou de ser uma preocupação chata e passou a ser parte natural do meu dia a dia, com responsabilidade. Não diz a frase que o segredo para a liberdade é a eterna vigilância? Ser livre dá trabalho mesmo. 🙂

E responsabilidade pede tempo e implicação. Não tem atalho. Então estou estudando e cozinhando mais, tentando reduzir comidas industrializadas com seus muitos ingredientes impronunciáveis e redescobrindo o prazer em uma alimentação mais simples. Ser vegetariana — e agora vegana — me pediu para olhar para outros alimentos e combinações, que a maioria das dietas não considera no dia a dia. E aqui não falo em dieta como restrição de calorias, mas apenas em dieta alimentar, sem a conotação negativa que a palavra traz consigo hoje.

Tornar-me vegana, depois de muitos anos sendo vegetariana, fez com que eu descobrisse muitas combinações deliciosas, muitos novos sabores e, principalmente, fez com que eu me aventurasse mais na cozinha. É preciso compensar a falta com criatividade e aí que um novo mundo começa.

Hoje existem receitas ótimas ao nosso alcance fácil nas redes sociais, como as da The Veggie Voice e as da Papacapim, que adoro. Acompanhando as duas, boa parte dos seus desafios no mundo vegano está resolvido. As autoras, Alana Rox e Sandra Guimarães, trazem muitas informações relevantes e verdadeiramente úteis que facilitam muito a vida de quem não sabe nem como começar. Recomendo também as receitas da Bela Gil — nem todas são veganas, mas boa parte é (como a deliciosa moqueca de banana da terra). Fiz um workshop recentemente com a Alana e foi muito legal. Aprendi receitas novas, e mais importante: aprendi a criar minhas próprias receitas com mais autonomia e conhecimento.

Ainda existe muito preconceito, sim. Há quem ache impossível ser vegano e ser feliz com a sua alimentação. Quem acredita que uma dieta vegana é sem graça e só serve para quem não tem prazer em comer. Que a alimentação vegana é incompleta, porque não tem todos os nutrientes de que precisamos. Que é praticamente impossível ter uma vida social com tantas restrições.

Pois eu amo comer (quem me conhece, sabe) e jamais conseguiria abrir mão de comer com prazer. Sair da zona de conforto só trouxe ainda mais sabor para as minhas refeições, ao contrário do que se possa imaginar. E hoje existem massas veganas, leites veganos maravilhosos (muito mais saborosos), sobremesas incríveis (você jamais acreditaria que não levam leite, manteiga e ovo). E restaurantes comuns com opções veganas, sim (nem sempre estão no cardápio, mas se você pede ao chef, especialmente se liga antes, quase sempre é atendida).

Quando a gente se dá conta que a maioria dos receios e dos preconceitos se dá por desinformação, a vida vegana fica bem mais fácil. A vida em geral também. 🙂

Depois que eu tirei os derivados de leite e o ovo, minha saúde melhorou bastante. É uma experiência pessoal, claro. Não quer dizer que vai ser assim com todos. Mas eu tinha um quadro alérgico respiratório recorrente, com algumas complicações. Hoje raramente tenho crises — meu dia a dia está livre de tosse e nariz escorrendo.

Também me sinto honestamente mais leve, e isso não tem a ver com peso. Minha digestão era mais lenta, meu intestino funcionava como se estivesse sempre de férias, nada ia muito bem.

Não apenas por saúde, mas também por ideologia, o incômodo chegou de vez. Sendo vegetariana, eu acreditava que já estava sendo coerente com meu amor e respeito pelos animais. Que a vida dos animais era tão valiosa pra mim como as das minhas gatas. Entender que gatos e cachorros são seres vivos com sentimentos que merecem consideração e cuidado a gente já consegue. Mas pensamos na vaca, no porco, no coelho, na galinha como primos muito, muito distantes. Mas são todos animais. Por mais que a gente se esforce em não enxergar, são seres complexos, com sentimentos complexos, e para mim é muito claro que a vida deles deveria ser respeitada também.

Depois que entendi que nem todas as fazendas e granjas tratam os animais com dignidade é que fui percebendo o quanto consumir derivados do leite e ovo poderia sim ainda ser bastante cruel. E que deveria haver uma outra forma de existir neste planeta. Que a agropecuária, inclusive, é uma das principais causas para a crise que estamos vivendo atualmente (leia mais aqui).

Nem sempre a gente está pronto para assimilar tudo isso. Eu já tentei ser vegana antes e falhei. Não era minha hora. Precisa haver uma porta aberta para a comoção que a gente não consegue acessar tão fácil. Não é apenas uma decisão racional.

Mas 2014 foi um ano bom e difícil. De repente, a porta se abriu, eu entrei e aqui estou. Quando é o momento certo, não parece tão difícil assim.

Ser vegano requer disciplina, mas a mim não parece uma disciplina ruim. Pensar no alimento antes. Ler o rótulo quando fazemos compras. Conhecer marcas e restaurantes que já oferecem opções prontas. Especialmente para quem vive em grandes cidades como São Paulo, escolha é que não falta. Para quem quer comprar tudo em um só lugar, tem o site Casa Veg, só com produtos veganos (você precisa provar a delícia que é o mandioqueijo e as pastas da La Pianezza — adoro a de alcachofra e a de azeitonas, super bem temperadas).

Para quem não consegue viver sem um bolinho delicioso, nem tudo está perdido: o atelier Doce Cariño faz opções lindas e de dar água na boca — todas veganas.

Fiz também uma pequena lista de alguns restaurantes que têm muitas opções interessantes de pratos veganos. Olha só:

Super Natural: tem duas unidades, uma na rua Augusta com a Estados Unidos, no Jardins, e outra em Perdizes. Conheço mais a da Augusta e gosto bastante. Além do buffet que tem muitas opções gostosas, tem um café, com sanduíches e sobremesas maravilhosas (o forte da casa pra mim são as sobremesas) e também um mercado com produtos orgânicos, farinhas e ingredientes mais difíceis de encontrar.

Le Manjue Organique: fica na Vila Nova Conceição. O espaço é lindo e o chef, muito talentoso. Quase tudo que provei lá foi uma delícia: o chips de banana verde com molho de pimenta, a sopa de cenoura com anis (melhor sopa!), o crepe de cacau com creme de avelã (hummm!). Vale ainda levar pra casa o Ganache de Cacau, feito de biomassa de banana verde, com gostinho de pasta de avelã com chocolate. Tem que provar pra entender como comida vegana pode sim ser deliciosa! Vencer os preconceitos contra os nomes naturebas. O restaurante tem opções não veganas para os amigos, então dá pra confraternizar numa boa com quem não abre mão da carne e do peixe.

Banana Verde – fica na rua Harmonia, na Vila Madalena (a Vila tem muitas opções vegetarianas legais). Você pode escolher a opção de buffet de saladas + prato principal (prato do dia ou sugestão do chefe) + sobremesa. Todos os pratos são vegetarianos, mas nem todos são veganos. Problema nenhum: basta avisar ao chef e, se não tiver uma opção vegana de cara, eles preparam pra você com boa vontade e agilidade.

Vegacy – fica na rua Augusta, próximo da Paulista. É simples, com temperos mais fortes. Uma boa opção para quem sente saudade de pratos preparados com carne: eles têm um hamburguer de calabresa vegano, por exemplo. E também cachorro quente, com maionese vegana e salsicha de soja + tudo que tem direito. Quem disse que vegano não pode enfiar o pé na jaca? Eles têm muitas opções de sobremesa também. Além dos sanduíches, funciona como um buffet.

Cereal Brasil – fica na rua Rodésia, na Vila Madalena. Acho que tem uma nova unidade em Moema também. Comida caseira e muito saborosa. A maior parte das opções é vegetariana, mas dá pra passar bem com as delícias veganas que existem por lá. O ambiente é simples, mas o serviço é ótimo, super atencioso. Eles também vendem alguns pratos congelados.

Alternativa Casa do Natural – fica na rua Fradique Coutinho, também na Vila Madalena. Mesmo esquema: buffet simples, mas desta vez com quase todas as opções essencialmente veganas. Pratos ovo lacto são exceção. E tem muita variedade de saladas, pratos quentes e sobremesas, além de um café com salgados e um mercado na frente com muitos produtos naturais.

Taste and See – para quem está na Vila Olímpia, este restaurante vegetariano e vegano promete. Eu ainda não conheço, mas ouvi bons comentários.

Observação: se você não mora em SP, aqui uma lista de restaurantes veganos em diversas localizações no Brasil.

Mas se o que você quer é ir a um restaurante comum, para acompanhar os amigos não veganos, tem algumas ótimas opções. Olha só alguns exemplos:

Tuju – fica na Fradique Coutinho também. O Tuju tem horta própria e apenas um prato vegano, mas que está entre os meus preferidos e faz valer: nhoque de abóbora com molho de cebola (é só pedir sem a telhinha de parmesão). Um prato delicado que me deixa sempre feliz. A salada da horta também é uma boa opção de entrada, com sabor bem diferente.

Maní – fica na rua Joaquim Antunes, no Jardim Paulista, e é um dos meus favoritos. A chef Helena Rizzo merece cada um de seus prêmios e o ambiente é muito legal: bonito de um jeito descomplicado, faz a gente sempre se sentir à vontade. Comece com o maravilhoso bombom de guacoamole com biscoito de fubá e consulte o chef sobre opções veganas de pratos como o talharim de pupunha e os falsos tortéis de abóbora.

Arturito – fica na rua Arthur de Azevedo, em Pinheiros. Para quem acompanhou o Masterchef, é o restaurante da Chef Paola Carosella. O movimentou aumentou com a popularidade, mas se fizer reserva, é bem tranquilo. Também tem um único prato vegano, mas Paola acertou em cheio na combinação e nos temperos. Antes era um hamburguer de falafel com tahine delicioso (fiquei triste quando saiu). Agora entrou no lugar um prato com lentilhas vermelhas e tahine, que é uma alternativa justa. Só se lembre de pedir sem ovo (não faz falta nenhuma, você vai ver).

Beato – fica na rua dos Pinheiros, em Pinheiros. Tem uma entrada que estou ansiosa pra provar: pupunha, alho poró, pêra, melaço e avelã.

De La Paix Bistrô – fica na rua Tupi, entre Higienópolis e Pacaembu e é uma graça. Ambiente tranquilo, com inspiração meio marroquina, meio francesa. Tem um filet sabor espinafre com molho de mostarda, arroz e legumes, e também um falafel delicioso.

Na verdade, quase todos os restaurantes têm uma opção vegana — ou podem ter se você ligar antes e pedir uma sugestão especial ao chef. Todo risoto pode ter a manteiga substituída por azeite, por exemplo.

É bem menos trabalhoso e excludente do que parece. E se você está tranquilo sobre as suas escolhas, não teme que os amigos se incomodem e tentem constrangê-lo.

Você respeita as escolhas deles, eles precisam respeitar a sua, certo?

Ser vegano também é um modo de vida que vai além da alimentação. A ideia é não consumir nada que tenha origem animal. Mas se antes as opções eram estritas, hoje temos marcas maravilhosas e acessíveis, como a Lush, que tem cosméticos incríveis. Adoro o tônico para rosto, os sabonetes e a maquiagem. Mas você encontra de tudo por lá: cremes, shampoos, tratamentos, sprays, espuma de barbear, pasta de dente em barra etc. A Lush é contra testes em animais e consegue entregar qualidade sem crueldade. A marca tem origem inglesa e uma história muito interessante que vale conhecer. Dá pra comprar online, mas se puder, vá visitar a loja spa que fica nos Jardins. Gosto muito de lá.

Marcas de roupa vegana?

– Tem a Stella McCartney, que você pode comprar online no Brasil pela Farfetch, além da coleção Stella X Adidas.

– Eu adoro a Osklen pela consciência ambiental e pelo design minimalista. Acho que os temas das coleções são sempre criativos e rendem estampas lindas. A maioria das peças são feitas com tecido de fibras naturais, mão de obra nacional e produzidas de uma maneira sustentável. Aliás, já conhece o Instituto E, criado e mantido pela marca? Existem peças de couro de peixe e de couro reciclado, mas tem muitas outras opções sem nenhum produto de origem animal. Dá pra escolher tranquilamente.

– A marca de sapatos Insecta Shoes é outra boa pedida. E a marca de bolsas e acessórios Canna. As duas têm sido elogiadas pela qualidade e pelo design. Algumas marcas tradicionais de bolsas e sapatos têm opções em couro ecológico e outros materiais cruelty-free, então mesmo em lojas comuns é possível fazer as suas compras veganas.

– O site Modefica tem feito um trabalho muito legal em falar sobre marcas e iniciativas com esta filosofia, como nesta matéria aqui. Vale acompanhar também.

Para saber quais empresas não testam em animais, confira essa lista.

No começo, pode parecer impossível incorporar tudo isso ao nosso dia a dia. Mas um passo de cada vez e você perceberá que não só é possível, como divertido, porque um outro universo de possibilidades se abrirá.

Ter que se informar sobre os produtos que você come, usa e veste não precisa ser uma tarefa chata. Ser consciente dá trabalho, mas pode ser um trabalho que você faz com prazer se acreditar em seus objetivos.

Eu não tenho preconceito contra quem come carne — podemos almoçar juntos sem que eu olhe feio para o seu prato (só não prometo se for foie gras e outros absurdos do tipo. No mais, respeito as nossas diferenças sem qualquer mal estar). Por exemplo: sou a única vegana da família e isso nunca foi uma questão entre nós — especialmente não do meu lado. Meu marido não é vegano e convivemos muito bem, com muito respeito pelas nossas diferenças.

Mas se não tento convencer ninguém do que acredito como se fosse a voz da razão, também não vou aceitar que façam o mesmo e ridicularizem as minhas escolhas. Muitas vezes deixei de me posicionar como estou fazendo aqui, porque sabia que seria julgada e incompreendida. Não vou mais fazer isso. Esta foi uma resolução de ano novo que estou cumprindo feliz! Quem não puder me entender e respeitar não vale conviver.

Não me importo de responder à pergunta que todos invariavelmente fazem quando descobrem que sou vegana: por que eu fiz essa escolha? Saúde, boa forma, amor aos animais?

A verdade é que desde muito pequena, sempre associei a carne ao animal da qual ela vinha. Associava diretamente e por isso nunca consegui ter prazer em comer. Era um sofrimento. Comi enquanto criança (obrigada) porque antigamente havia a crença de que na infância é essencial ter proteína de origem animal, especialmente na fase de crescimento. Hoje a gente sabe que é um mito. Existiram muitos outros mitos que precisei desconstruir, e existirão outros tantos. Mas acho que esta é uma boa tarefa: questionar e esclarecer. É uma tarefa que não me importo em realizar.

Admitir meu amor pelos animais, meu respeito pela vida deles, não pode ser algo que me enfraquece. É uma das poucas coisas que me definem, porque é uma das poucas que certamente não posso abrir mão. Está em mim como eu mesma.

E digo com sinceridade: é tão gostoso quando a gente volta a olhar pra dentro, quando a gente pensa na alimentação não com culpa (e não estou falando de calorias, mas em outras culpas), mas como algo que a gente pode e deve fazer com prazer, com amor, começando pelo amor próprio, respeitando as nossas escolhas sem se envergonhar delas.

Se reinventar não é tarefa fácil, especialmente quando além de convencer a si mesmo é preciso convencer o mundo, que não ajuda muito nesse caminho.

Então se você está enfrentando dilemas parecidos, saiba que não está sozinho. Que existe muita informação hoje, e que a informação é a melhor arma para combater o preconceito. Ser diferente não é ruim — mesmo que o mundo tente te convencer do contrário. 🙂

Se quiser outras dicas ou conversar sobre vegetarianismo/veganismo, meu email é [email protected] e vai ser um prazer ajudar.

6 comentários COMENTE TAMBÉM

Muito fofo o artigo. Só faltou falar de inúmeras marcas de cosméticos veganos / vegetarianos, cruelty-free, orgânicos… pois não podemos esquecer que além da consciência pelos diretos animais, nosso maior órgão do corpo é a pele. beijos.

Oi, Bruna. Tudo bem?
Que legal que você gostou. 🙂
No post, eu falo da Lush, marca de cosméticos inglesa que além de ter produtos de ótima qualidade, com ingredientes frescos e muitos 100% veganos, é super engajada em combater testes em animais mundo afora. No Brasil, só existe (ainda) loja em SP, mas dá pra comprar online caso você não seja daqui. Dá uma olhadinha no link lá no post pra saber mais, vale a pena.
Eu ainda estou conhecendo outras marcas de cosméticos e prometo fazer um novo post contando minhas descobertas.
Beijos.

[…] – No blog da Bia Perotti tem um post de como ser vegana, por Fabi Secches. Não sou vegana, nem mesmo vegetariana, mas achei […]

Amei Fabi! Incrível a leveza que tu aborda esse assunto! Estou nesse caminho tb! <3 Beijo grande e parabéns de novo pela excelente abordagem! @ledavolli

[…] você encontra mais blogs legais para seguir. E no site Achados da Bia tem esse post ótimo da querida Fabi Secches, que fala sobre como esse modo de viver é um caminho difícil, mas […]

Parece que esse seu post foi feito pra mim, me tornei vegetariana e minha família e amigos começaram a questionar o porquê deu ter me tornado, acabei (por pressão) voltando a comer carne, mas nunca me sinto bem fazendo isso, e isso é ruim, agora lendo seu post, vou voltar com meus ideais e não me importar com o que as outras pessoas falam de contrário.

Obrigada!

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