Leia Mulheres

Há dois anos, a escritora e ilustradora britânica Joanna Walsh deu início ao movimento #readwomen, através do qual incentivou o mundo a olhar para as estantes de livros e para o mercado editorial e repensar sobre a desigualdade entre sexos, que infelizmente se presentifica também nesse cenário.

No ano passado, publicamos o artigo “Mulheres, Literatura e Mais Uma Provocação” na Confeitaria, escrito pela repórter Natacha Cortêz. “Eu só queria celebrar a obra de escritoras, mas o movimento cresceu. Percebi que existiam muitas outras pessoas insatisfeitas”, contou Joanna Walsh a Natacha por e-mail.

Inspiradas pelo movimento, as amigas Juliana Gomes, Juliana Leuenroth e Michelle Henriques criaram o projeto #LeiaMulheres, um clube de leitura para discutir livros escritos por mulheres. O clube se tornou uma referência no país.

Conversamos com as criadoras sobre os desafios e os bastidores do projeto. Leia a entrevista abaixo:

Como surgiu a ideia de criar um clube de leitura só de livros escritos por mulheres?
Juliana Leuenroth: Eu e a Juju (Juliana Gomes) nos conhecemos há alguns anos, trabalhamos juntas numa livraria. Depois que saímos deste emprego, continuamos a amizade e a troca de dicas de leitura. Conheci a Michelle também graças à literatura: nós duas tínhamos blogs sobre o tema e logo a amizade saiu da internet. A ideia do clube surgiu a partir de uma conversa com a Juju. Acompanhamos a hashtag #readwoman2014 e achamos a iniciativa ótima. Achamos que seria uma boa ideia fazer algo presencial a partir da iniciativa da Joanna Walsh. E logo pensamos na Michelle para ser uma das mediadoras junto com a gente. Começamos com o clube em São Paulo em março de 2015 e logo convidamos amigas do RJ e de Curitiba para fazer em suas cidades. A partir daí, outras pessoas foram se interessando pelo projeto e atualmente estamos em 33 cidades.

Como funciona a organização da agenda do clube em outras cidades?
Juliana Leuenroth: Todos os clubes são mensais. Pedimos a todas mediadores que escolham livros de fácil acesso (que não estejam esgotados, por exemplo), dentre outras pequenas diretrizes. Mas cada cidade decide a data, livro e local, sem nossa interferência direta. A partir desses dados, ajudamos na divulgação e em possíveis parcerias com editoras. A divulgação (redes sociais e site) fica centralizada com a gente aqui em São Paulo, mas muitas cidades têm grupos no Facebook para discutir e combinar coisas específicas.

Algum encontro em especial marcou vocês de maneira diferente?
Michelle Henriques: O primeiro foi bastante importante para mim. Eu estava com medo, não sabia bem o que esperar porque escolhemos um livro forte, “A Redoma de Vidro”, da Sylvia Plath. Mas correu tudo bem, a conversa fluiu e as pessoas levantaram pontos muito interessantes na discussão. Outro encontro importante para mim foi o nosso especial “Café Ferrante”, em que conversamos sobre “História do Novo Sobrenome”, de Elena Ferrante. Tivemos o maior número de participantes até então. Todo mundo empolgado falando sobre o livro. E por fim, os encontros que fizemos nas FLIPs de 2015 e 2016, a convite da editora Rocco. Juntamos mediadoras de diversos estados, com público totalmente novo para nós e foi ótimo.

Quais livros escritos por mulheres e lançados em 2016 vocês recomendam?
Juliana Gomes: De literatura brasileira, recomendo “Cabo de Guerra”, de Ivone Benedetti (editora Boitempo), “Todos os contos”, de Clarice Lispector (Rocco), “As Águas Vivas Não Sabem de Si”, de Aline Valek (Fantástica, selo da Rocco), e a “A Loucura dos Outros”, de Nara Vidal (Reformatório). Já entre as traduções lançadas em português em 2016: “A Guerra Não Tem Rosto de Mulher”, de Svetlana Aleksievich (Companhia das Letras), “História do Novo Sobrenome” e “Dias de Abandono”, de Elena Ferrante (Biblioteca Azul).

Quais clássicos escritos por mulheres vocês recomendam?
Michelle Henriques: Meu clássico preferido é “O Morro dos Ventos Uivantes”, de Emily Brontë, que discutimos no clube de janeiro deste ano. Foi ótimo reler esse livro depois de 11 anos e perceber que ele se torna ainda mais grandioso na releitura. “Jane Eyre” de sua irmã Charlotte Brontë é outro clássico maravilhoso, com pequenos passos feministas. Também não posso deixar de mencionar Jane Austen. Das mais modernas, porém já clássicas: Virginia Woolf, Simone de Beauvoir, Sylvia Plath e Carson McCullers.

Em 2016, a FLIP homenageou a poeta Ana Cristina Cesar. Vocês percebem uma mudança no mercado editorial no sentido de valorizar mais o trabalho das escritoras, tradutoras, preparadoras, revisoras e editoras mulheres?
Juliana Gomes: Acredito que estamos no caminho, mas o percurso ainda é longo. O que acontece atualmente é a preocupação de incluir mais mulheres, mas a valorização é gradual. Esperamos e lutamos para que essa valorização possa ser uma realidade.

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Acompanhe também a página do #LeiaMulheres no Facebook, que traz informações sobre os próximos encontros. A participação é livre e gratuita.