Filme Sentidos do Amor

Estou para escrever este post desde outubro, acreditam? Acabei de ver a data no rascunho! Acho que demorei porque queria tentar encontrar as melhores palavras para descrever o filme PERFECT SENSE (algo como Total Sentido, de David Mackenzie, 2011), que tanto me tocou.

O filme se passa em Glasgow e começa apresentando dois personagens, Michael (Ewan McGregor), um chef de cozinha “pegador” que não consegue se envolver em um relacionamento sério com ninguém, e Susan (Eva Green) que interpreta uma cientista especializada em epidemias, amargurada por ser sozinha e não poder ter filhos. Eles se conhecem casualmente em uma rua deserta onde fica o apartamento dela e os fundos da cozinha do restaurante onde ele trabalha, quando ele pede um cigarro à ela, que fumava na janela. Os encontros do acaso, sabem?

Até aí você acha que é uma cena típica do início de mais um dos romance que estamos acostumados a assistir, mostrando aquela troca de olhares, sorrisos, borboletas na barriga, mas também a inevitável hesitação em se entregar de novo, acreditar mais uma vez no amor, mesmo após os traumas no passado de cada um. Ok, corta. Do nada surge uma estranha epidemia de escala global: pessoas em todas as partes do mundo têm, do nada, um ataque incontrolável de choro sem nenhum motivo aparente e, em seguida, perdem totalmente o sentido do olfato.

Aí está o primeiro “click” do filme, que na hora você não percebe muito bem a “gravidade” do problema, mas eu considero como um ponto alto. Por que? Já parou alguma vez para pensar em quantas vezes você não atribuiu (mesmo que de forma inconsciente) uma enxurrada de sentimentos diretamente ao olfato? Gente, é a tal da “memória olfativa”: o perfume do seu amor, do bolinho de chuva que lembra a infância na casa dos avós, a roupa de cama da casa dos pais, do cheiro de grama molhada de chuva que lembra as férias no interior… Nossas memórias estão intrinsicamente ligadas a cheiros – isso é um fato e não podemos negar. Sem lembrar de aromas e cheiros “perdemos” muitas das lembranças de nossas histórias de vida, o que na minha opinião é muito triste.

Mas esse é só o começo de uma sequência de eventos que só pioram a situação durante a trama e, mais do que nunca, os personagens “necessitam” da presença, empatia e amor do outro como conforto. Reaproximações, uniões, privações, novas adaptações… Para suprir a falta de olfato, o chef Michael passa a valorizar outros sentidos que ficam mais aflorados, como o paladar, visão, audição e tato. Decide então caprichar nos sabores de suas comidas, já que a sensação é de um eterno resfriado, o que faz com que qualquer prato perca grande parte de seu encanto.

Mais uma vez, por causa da epidemia, mais um sentido é perdido, o paladar, o que tende a levar seu restaurante a falência, uma vez que comida sem sabor e perfume não significa nada. Não existe mais prazer? Ele diminui sim, mas ainda dá para existir neste ambiente. Como? Entra em foco as relações sociais, mais importantes do que nunca no qual a visão, a audição e o tato se fazem mais do que necessárias em um momento de “apocalipse”. Pausa. Eu disse visão, audição e tato. Você consegue imaginar uma cena em restaurante nos dias de hoje no qual esses três sentidos são explorados ao máximo? Eu só consigo pensar nas pessoas nos seus celulares em seus mundos particulares sem explorar a riqueza que é poder olhar nos olhos (ver e ser visto), ouvir com empatia e falar com atenção e, por fim se tocarem, seja com apertos de mãos, carinhos… No filme se faz uma crítica: os seres humanos estão mais frágeis do que nunca, se virando como podem, tendo somente um ao outro para se apoiar, por isso seguem frequentando restaurantes para “sentirem” o ambiente, as amizades, as celebrações, o tim-tim dos copos brindando, a consistência, aparência e cor da comida. Nós temos tudo isso e não aproveitamos tudo isso!

Neste meio tempo Susan fracassa em suas pesquisas e se sente impotente junto ao mundo, incapaz de lidar com a doença que afeta a todos, assistindo o caos tomar conta e promover um retorno ao primitivismo humano. Mais uma questão para refletirmos: o “aprender a viver” sob novas condições é o grande ponto de debate do filme. Surgem com a “falta”, oportunidades de conhecer novas coisas. Há uma cena do casal na banheira que gera estranheza, porque eles comem um sabonete e lambem creme de barbear. Por que? Eles têm que recomeçar, experimentar o novo – novas texturas, novas sensações… aprendendo, assim, novas maneiras de se viver. Sei que parece piegas e muito ficção, mas é uma provocação para que a gente pare, pense e valorize o que temos. Um convite a reflexão sobre a nossa forma medíocre de ver e muitas vezes viver a vida. Claramente ma crítica à sociedade capitalista, às relações de consumo, às relações “líquidas” (Bauman – Amor líquido).

Para mim, um dos momentos mais tristes do filme é o da ansiedade em imaginar qual seria o próximo sentido a ser perdido. Então, dentro do carro, Susan abre as janelas, fecha os olhos e disfruta do simples prazer de ouvir sons banais do cotidiano como o tocar dos sinos da Igreja, buzinas do trânsito, do trem passando… Muitos dos barulhos dos quais nos queixamos diariamente podem ser considerados bênçãos quando se está prestes a perder a capacidade de ouvi-los. Louco isso, né? A todo instante pensar na importância de cada sentido e o que nos resta sem elas. Quantas vezes já me peguei reclamando da obra do prédio ao lado, dos passarinhos do meu pai que não param de fazer barulho, do meu irmão cantando alto no chuveiro… Que idiota eu sou!

De repente eles acordam de manhã e não ouvem nada. Começam a gritar e nem isso é sentido. Afe, que desespero! Não conseguem ligar um para o outro, se vêem de longe, mas não conseguem gritar uma para o outro. Vocês percebem que a cada perda a necessidade e valorização dos sentidos que restam passam a ter muito mais importância? Bem no final da trama aparecem várias cenas de famílias, casais e amigos se abraçando, olhando atentamente uns para os outros, se tocando, sentindo o amor como deveria ser sempre, todos os dias. Susan e Michael vão em direção um ao outro já com a visão embaçada, prestes a ficarem na escuridão e se abraçam, até que perdem totalmente a visão. Aí é de chorar, né? Porque o que resta? O tato. Ah, como faz quando você não pode mais soltar da pessoa, senão a perde de vez? Sem sons, cheiros, paladar, visão, o que nos resta? O toque é mais do que nunca algo “divino”, mas que serve como um adeus a luz, a vida.

Tapa na cara. Pelo menos para mim foi. Um filme forte, sensível, profundo que pode não agradar a todos, mas que com certeza serve para repensarmos a vida, no que faríamos numa situação dessas e, mais do que isso, a valorizar o que temos. Em meio ao caos que vivemos, nos esquecemos de agradecer.

Para os interessados, não deixem de conferir a saga amorosa desses dois corações, aprendendo a viver num mundo literalmente “sem sentido” – trailer aqui.

2 comentários COMENTE TAMBÉM

Amei seu post!!! Estou louca para ver o filme! Estas reflexões todas são essenciais na vida!!!Adorei que citou o Baumam,que nos deixou esta semana,mas nos brindou com muitas provocações sobre o capitalismo e o consumo! Seus livros são leitura obrigatória para vivermos melhor! Beijo Bia querida e super agradecida por ler o seu post!

Ebaaa! Que bom que gostou, Si. Fico feliz! Indiquei o filme para algumas pessoas, mas não curtiram, não entenderam a mensagem. Acho que só os “preparados” conseguem entender de verdade. Rs! Bjsss

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