Um Ano Sabático – Parte III

Cinque Terre, FORZA BRUTA

Cinque Terre não fazia parte do meu roteiro. Até porque eu não tinha um roteiro propriamente dito, mas precisava definir alguns pontos de interesses ou cidades que gostaria de conhecer até para organizar chegadas e partidas.

Minha ideia inicial era sair de Milão e ir para Veneza. Porém, minhas datas coincidiam com a abertura da Bienal de Veneza; se Veneza já é over turística e cara o ano todo, não seria um bom período para visitá-la, a não ser que eu pudesse participar das festas… O que não era o caso. Foi este o motivo que fez com que eu pensasse em encontrar outro lugar para ficar até passar “o fervo”.

Peguei o mapa da Itália, e lá ao norte, avistei Cinque Terre. Minha irmã, Martha, havia estado lá em novembro de 2012 e tinha gostado muito, mas era baixa temporada. Quase inverno. Fui atrás de mais informações e não tive dúvidas, era pra lá que eu iria. Eu precisava passar um tempo num lugar como aquele – em meio às montanhas e ao mar. Me considero uma pessoa urbana, mas às vezes prefiro a companhia da natureza. E como gosto de fotografar, Cinque Terre seria perfeita.

Muitas pessoas já conhecem outras talvez não: Cinque Terre fica na região da Ligúria e é banhada pelo Golfo de Gênova. Foi reconhecida pela UNESCO como Patrimônio da Humanidade e seu Parque Nacional, que envolve as pequenas cidades (ou vilas) de Corniglia, Riomaggiore, Manarola, Vernazza e Monterosso Al Mare, são protegidas, assim como o mar.

As “terres”, como irei carinhosamente chamá-las aqui, podem ser visitadas de trem, a pé, ou de barco, nesse caso, a exceção é Corniglia. Melhor impossível. Sem carros. Sem buzinas. Sem stress.

(Quem quiser saber mais sobre como se organizar para ir para Cinque Terre, amanhã irei compartilhar um update e notas de viagem lá no meu blogvacationanimae.blogspot.com.br)

Como estaria sozinha, ficar em uma das terres, me pareceu solitária demais. Decidi seguir a dica da mana e ficar em La Spezia, uma cidade um pouco maior e  ótima base não só para conhecer as terres, mas para seguir viagem para o próximo destino. E assim foi.

Engraçado perceber agora que não datei boa parte do meu diário. Assim, vamos dizer que acordei numa linda manhã de Sol e segui meu caminho em direção a Milano Centrale. Com certa desconfiança, ou insegurança, comprei  o ticket em uma das várias máquinas da estação (vou falar mais sobre isso também no meu blog) e lá fui eu animada e feliz para Cinque Terre.

Escolher o trem na Itália, pra mim, é um enigma. Já fiz outras viagens de trem, em Londres e Paris, e acho que existe certo padrão. Na Itália, não. Ou não aprendi ainda. O trem era confortável, mas era um trem de cabine… Aquelas cabines para seis pessoas sentadas e com o bagageiro na parte superior. Fiquei tensa. Eu sei e reconheço que não faço o perfil viajante. Uma mochila e o mundo. Eu gostaria, mas não sou assim. Eu tinha a mochila sim e mais uma bolsa de mão. E mais uma mala média (que estava no limite). Para quem iria viajar durante dois meses, não é muito. Mas, o fato é que chega uma hora que a mala… pesa. Ainda mais quando se tem que colocá-la num bagageiro, e alto. Pra quem não me conhece, sou do tipo mignon. Tenho 1,60 e peso 53Kg. Sou saudável, tenho ótima estrutura física, mas que raios que eu não conseguia, e não consigo ainda, pegar uma mala e colocar no bagageiro?! Ninguém apareceu para ajudar.

O corredor era estreito, mas consegui encaixar a mala e não bloqueei o corredor, sobrou ainda espaço para passar uma pessoa… Com uma mala pequena. De mão. O trem foi enchendo, minha cabine também, chegou a hora de partir, e chegou a hora de tomar pito do fiscal do trem que gritou em alto e bom tom naquele jeito italiano de ser “Mala no meio do caminho!!!! Não pode! Tem que colocar no bagageiro! Não pode ficar aqui”. Se foi exatamente isso que ele disse em italiano, eu não sei, mas entendi o recado.

Olhei constrangida para as pessoas na cabine com aquela risadinha, “ah é minha, que bobagem, vou resolver” e já levantei pensando no que eu faria com a mala… O fiscal que me ajudasse a colocá-la no bagageiro. Mas se pedisse isso para ele provavelmente seria arremessada pelo trem. Todos olharam pra mim meio sem saber o que fazer até que um belo ragazzo, de 1,80m e 20 poucos anos, levantou e gentilmente ofereceu ajuda.

Já estive na Grécia, adorei, mas os verdadeiros deuses gregos, não são gregos, são italianos. Ou quando eu fui, os deuses gregos estavam de férias. Enfim, fui salva do fiscal malvado por um deus italiano e a viagem seguiu muito bem, meus amigos de cabine eram divertidos, e depois da cena da mala, nos apresentamos e não paramos de falar até chegarmos cada um ao seu destino – eu (brasileira meio portuguesa, meio italiana), quatro italianos e uma norte-americana que falava nos raros momentos em que tinha chance. E antes de dar ciao, o deus italiano tirou minha mala do bagageiro.

Lá estava eu na Riviera Italiana, na Ligúria, em La Spezia.  Chegar sozinha num lugar sem saber ao certo que direção tomar, mesmo com ajuda do Google maps, pode ser desconfortável. Foi estranho em La Spezia. A impressão não foi das melhores. A estação não é bonita. Não era um dia ensolarado, ventava forte. Era uma tarde com cara de chuva.

Cheguei ao hotel que me pareceu ok até saber que meu quarto era no “-2”. Pensei não ter entendido, e perguntei novamente à simpática recepcionista. Mas era isso mesmo, meu quarto ficava dois andares abaixo da recepção. Mas por que meu quarto não era no andar de cima? Havia uma janela com vista para uma passagem, um passeio de pedestres. Não gostei e fiquei até meio irritada. Mas resolvi deixar pra lá. Somente depois de uma caminhada pela cidade, percebi como nos acostumamos aos padrões estabelecidos. Às vezes, até por nós mesmo. Pra mim, não era normal ficar em um quarto dois andares abaixo da entrada principal. Mas para eles, que moram numa região montanhosa, não só era normal como necessário aproveitar a geografia local. Mesmo praticando yoga há mais de 10, ficando de cabeça baixo, fazendo posturas que estimulam a ter uma olhar diferente, a praticar a flexibilidade, eu me incomodei durante uma tarde com meu quarto no “-2”. Pode?! A resposta é não precisava. E o fato é que acertei na escolha do hotel. Bem localizado, próximo do centrinho, da estação ferroviária e da marina. E a entrada principal, na verdade, era no meu andar. O nível da rua, conclusão a que cheguei quando saí para conhecer La Spezia. Ri de mim mesma e dessa bobagem.

Adoro a primavera e o verão na Europa. Em uma tarde, que se estendeu até 8 ou 9hrs da noite, tive tempo de conhecer o centrinho. E aí já passei a amar a cidade – uma típica cidade italiana, pouco turística (ou ainda com poucos turistas), lojinhas diferentes, restaurantes e cafés. Meu almoço foi uma farinata, de um lugar típico, que está lá desde 1887 e que comi segurando com as mãos, andando na rua. Mais italiana impossível. Na avenida principal, as árvores, estavam repletas laranjas, acho que eram aquelas vermelhas, as toranjas, conhecidas aqui como grapefruit. Podia-se até sentir o aroma delas!

No dia seguinte, peguei meu mapa e segui para ferroviária. Meu plano inicial era conhecer as Cinque Terre de trem, depois a pé e depois de barco. Por isso me organizei pra ficar uma tarde e dois dias inteiros em La Spezia, e fazer tudo com calma, e ainda ter tempo para minhas fotos, expressos, cappuccinos e taças de vinho, claro.

Quando cheguei à ferroviária, entendi: sim havia turistas, mas eles se dispersavam pelas terres e por isso não tive a sensação de uma cidade lotada. Mas agora, para pegar o trem, senti que havia certa disputa pelo espaço, porém o clima era muito saudável e divertido.

Comecei pela terre do meio, Corniglia, que é a menor das terres.

O verão ainda não havia chegado, o Sol tentava passar entre as pesadas nuvens, fofas e enormes. A visão das casas coloridas, de um colorido lavado, penduradas na montanha em meio a um silêncio que só era quebrado pelo mar ou pelos ventos, ou por um grupo de turistas, me deixou meio sem rumo. A paisagem era bruta, rústica. Encantadora. Elegante. Delicada também pelos seus habitantes, suas flores e seus estabelecimentos comerciais. Dois pequenos restaurantes, uma pequena frutaria, uma lojinha aqui outra ali… Todos tinham um toque natural de beleza e delicadeza, que apenas a sua própria natureza podia proporcionar.

Subi por um caminho estreito até chegar ao mirante e perdi o ar. Eu tinha o oceano todo a minha frente. E todo o oceano pela frente, pensei. Na montanha, onde Corniglia e suas casinhas estavam incrustadas, as flores, mesmo as mais delicadas, resistiam bravamente aos ventos. Fiquei um bom tempo lá, na volta tomei meu cappuccino, comprei frutas e um panini para o lanche, e segui de trem para próxima terre, Vernazza.

Diferente de Corniglia, o impacto de Vernazza  é aquele que você tem quando chega numa pequena e charmosa cidade de praia. Com opções de gelaterias,  lojinhas, restaurantes – inclusive à beira mar, ou no alto da cidade, com aquela vista vertiginosa. Chega a ser um pouco mais sofisticada. Mas não é. E isso que a torna tão especial. É uma autêntica “vila de pescadores” da Riviera Italiana.

Enquanto observava os turistas que se divertiam tentando ser fotografados com as ondas fortes (bem fortes) que quebravam logo atrás deles, percebi que Vernazza está para o mar tanto quanto o mar está para Vernazza. Uma cidade que está incrustada na montanha banhada pelo mar, tem que se proteger. E havia lá uma barreira de pedras, para quebrar as ondas dos dias de fúria do mar da Ligúria. E divertir os turistas. Os barcos, todos recolhidos e cobertos com a tradicional lona listrada de azul e branco. Alô fashionistas, aqui sim tem muita inspiração navy e não as ruas de Nova Iorque, pensei. E claro, o cheiro de peixe de verdade, ou de comida com peixe, que só as autênticas vila de pescadores tem.

Avistei uma igreja, um pouco mais ao alto e fui até lá a fim de fazer algumas boas fotos das ondas. Do século 12, a linda igreja de Santa Margherita d’Antiochia já resistiu a guerras, invasões, piratas e há dois anos, em outubro de 2011, ela e toda Vernazza, foram atingidas por chuvas torrenciais, inundações e deslizamentos de terra que deixaram a cidade enterrada em mais de 4 metros de lama e detritos. A cidade foi evacuada e permaneceu em estado de emergência. Voluntários se uniram, organizaram a Save Vernazza e junto com os moradores a colocaram de pé novamente. Ao ler, e ver as imagens, num longo painel exposto na igreja, pensei, como aquelas pessoas conseguiam continuar vivendo lá? Na constante incerteza e risco de um novo desabamento ou inundação? Agora mesmo, as ondas lá fora devem ter 2 metros de altura. Numa região de vulcões e terremotos como a Itália, é muito fácil ter um tsunami aqui… Olhei por uma das janelas e revivendo meus medos passados e vivendo futuros receios, lembrei também de um ensinamento que aprendi na yoga – o medo de morrer, ou da morte, é o que nos impossibilita também de viver. Assim, os moradores de uma das Cinque Terre, Patrimônio da Humanidade, tinham mais é que continuar vivendo e cuidando de sua Vernazza. Ofereci uma velinha, agradeci por mim e pedi proteção para Santa Margherita – para Vernazza e para outras terres.

Poderia ter almoçado em um dos restaurantes, pareciam todos muito bons, mas nesse dia, preferi me juntar às pessoas na praça, tirei meu panini da mochila e saboreei aquele momento.

Me dei conta então que no ritmo que eu estava só conseguiria fazer todas as terres num dia se fosse de trem. Devido ao tempo instável e o mar agitado, as passagens pela encosta estavam fechadas. Os barcos também não iriam para o mar tão cedo. Já podia descartar essas opções. Restava ainda a opção de fazer parte das terres a pé, pelas montanhas. Vi vários turistas chegando e partindo para as trilhas. Eu não tinha levado um tênis apropriado, mas tinha opção de comprar um lá. Desde que me desfizesse de algo da mala… Ah sim, eu não contei isso pra vocês. Eu poderia comprar algo novo, desde que deixasse algo pra trás. E comecei a praticar isso em Milão. A blusa que usei dois dias seguidos ficou. Era uma malha normal, preta. Eu gostava dela. Por conta do atraso da mala, pensei que seria um bom começo de viagem. E poderia comprar algo que gostasse depois. Enfim, pensando nisso, em deixar coisas pra trás, antes de partir para próxima terre, peguei um gelato e voltei para praça. Eu merecia ficar um pouco mais lá, contemplando a bela e corajosa Vernazza. E assim,  deixei pra trás também uma ideia, a de fazer os trechos a pé.

A parada seguinte foi Monterosso Al Mare. É a única das terres com praia, praia para banho de Sol. Em um dia de calor, teria ficado mais tempo lá al mare em uma das espreguiçadeiras com uma taça de vinho da Liguria. Mas as outras terres me aguardavam…

Ao chegar a Manarola e em Riomaggiore, fui impactada mais uma vez por aquela vista de um oceano sem fim e as casas coloridas, penduradas na montanha como se estivessem de frente, olhando ou enfrentando as intempéries – os ventos fortes, as chuvas, a maresia – e os flashes das máquinas fotográficas dos inúmeros turistas. Passeei pelas graciosas cidades e caminhei até onde era permitido sobre a passagem acima do mar que liga as duas terres. Senti que a Via Dell’Amore estivesse fechada.

O dia  ainda estava claro, soprava um vento gelado, e o Sol vez ou outra aparecia para aquecer, iluminar as casas, as montanhas e o mar… Ah o mar. Poderia ficar horas ali só olhando para ele. Para maioria das pessoas, “mar é tudo igual”. Já os românticos e amantes do mar sabem que isso não é verdade. Talvez o verde e o azul sejam os mesmos, mas nunca um mar é igual ao outro. Aquele era o mar da Ligúria. Cinque Terre e aquele mar eram uma coisa só. Na sua força e natureza.

Feliz, agradecida, voltei para estação celebrando um fim de tarde para vida.

6 comentários COMENTE TAMBÉM

Kareen, to amando suas histórias, vc escreve muito bem, bjos

Cris querida muito obrigada! Bom vê-la aqui! Logo mais tem novo post 😉 beijos

Querida Kaaaaa lendo você por todos os lados!! Parabéns amiga!!!

Estou adorando viajar com você, Kareen! heheh
vou ver seu blog hoje!
bjos!

Oi Giu, oba! Sobe na garupa 😉
Vi que você tem um blog também! Vou xeretar lá.
Beijo!

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