Um Ano Sabático

Às vezes tem que cair uma vaca na sua cabeça pra você entender certas coisas.

Quem assistiu a comédia dramática argentina, Um Conto Chinês (Un cuento chino), de Sebastian Borensztein, sabe do que eu estou falando. Na minha cabeça caiu em 18/9/2010. Era pra ser mais um sábado qualquer até eu acordar com o telefone tocando insistentemente. Minha mãe havia sido vítima de um grave acidente e estava hospitalizada. Alguém que, bêbado ou não, dirigia de forma irresponsável (a 100Km, ou mais, quando deveria estar a 40Km), perdeu a direção e acabou atingindo-a na calçada. Quando cheguei ao hospital ela ainda estava com vida, mas alguns minutos depois (que pareceram horas), ela não resistiu. Foi assim.

No dia anterior eu e ela conversávamos animadamente sobre nossos planos para o fim de semana. Um dia depois, eu iniciava meu processo de luto.

Se você chegou até aqui, não desista ainda.

Nos primeiros meses fiquei anestesiada. Diria até que em estado quase zen se não fosse pela dor. Depois caí em depressão e com ela todo o resto desabou junto – saúde, amor e alegria pela vida.

O mais difícil foi sobreviver aos momentos de pânico e depressão. Algumas vezes tinha certeza de que estava morrendo ou que algo trágico iria acontecer. Adepta de uma vida mais naturalista e espiritual, me mantive firme, em pé, sem remédios. Não que isso seja algo que eu me orgulhe, ou me envaideça, mas agradeço todos os dias aos anos de prática de yoga, aos florais e terapeutas holísticos que passaram na minha vida. E, claro, agradeço o amor e união que manteve em pé a mim, minhas irmãs e sobrinhas, e ao carinho e apoio de amigos. O trabalho e novos projetos me ajudaram muito também, mas o fato é que não tinha energia suficiente para quase nada.

Entre os momentos de luta em ter de voltar para minha vida e minha alma, foi quando realizei, ou quando senti efetivamente que uma vaca tinha caído na minha cabeça. Parei e pensei: o que eu estava fazendo trabalhando de 12 a 14 horas por dia, muitas vezes nos finais de semana e feriados?! Será que eu estava fazendo a diferença nesse processo? Quando eu tinha deixado de viver? Ou quanto eu estava deixando de viver? Se é que eu, ou alguém, poderia medir isso… Claro, que eu também pensava na importância do meu papel produtivo na sociedade, como também o que adquiri graças a ele – não apenas bens materiais, mas conhecimento, informação, maturidade profissional, e alguns amigos queridos. Mas a verdade é que, por mais que eu quisesse e tentasse, havia chegado o tempo de mudanças. Fiz o movimento inicial, e um ano depois, após uma sucessão de eventos,  acabei me desligando da empresa onde trabalhava e iniciei meu ano sabático.

No primeiro mês, me desfiz de coisas, limpei o guarda-roupa. Esvaziei gavetas, malas, armários. Abri espaços. Até no computador. Pintei a casa, resolvi pendências, e sim, me entreguei ao ócio. Às vezes ia dormir madrugada adentro – lendo ou assistindo um bom filme – e acordava preguiçosamente às 11h00 da manhã em plena quarta-feira. E foi num dia desses, de ócio, que resolvi viajar.

Tá vendo, a parte boa começou. Obrigada por ter lido essa introdução.

Já li em algum lugar que viajar é mudar de alma, ou mudar a alma de lugar… Eu não queria me desfazer ou mudar nada da minha, mas precisava dar umas férias pra ela. Férias mesmo!

Me ocorreu Índia, me ocorreu Sudeste Asiático. Mas o fato é que eu não precisava me encontrar, meditar ou rezar. Eu já vinha fazendo isso, especialmente nos últimos três anos. Eu precisava sair da introspecção. Precisava conhecer lugares novos, divertidos, prazerosos… Era isso, eu precisava de prazer! Prazer de dar risada, de comer, de flertar. De ficar de pilequinho. Quem sabe viver um romance… Eu precisava viver a “dolce far niente”. Precisava ser chacoalhada pelo jeito italiano de ser. Foi assim que decidi ir para Itália.

Fiz uma breve parada em Londres para ver minha sobrinha e amigos, e de lá segui para Milão, onde vivi meu primeiro teste: minha mala chegou 24 horas depois.  E sim, eu sobrevivi com a mesma roupa que saí de Londres durante dois dias, em Milão, a cidade de gente muito bem arrumada e estilosa. Eu e a minha indefectível jaquetinha preta de couro, uma calça skinny e uma tee preta de manga longa. Só tinha a roupa de baixo extra, já que nas viagens longas, sempre carrego um jogo na mochila ou na bolsa.

Sem mala… mas embaixo de um bom teto: o Nu Hotel. Esse hotel foi uma boa relação custo-benefício. Hotel design, pertinho do metrô e com ótimo buffet no café da manhã.

Confesso que a primeira reação foi de muito mau humor. Depois, passou. Até pensei em usar a falha da companhia aérea como uma desculpa “para me jogar” na La Rinascente e comprar uma roupinha toda nova para compensar o stress. Mas, depois da primeira taça de vinho, relaxei e lembrei porque tinha escolhido a Itália. Para me divertir.

Definitivamente, eu não precisava comprar nada. Tudo o que eu precisava, além dos meus documentos, dinheiro para comer e pagar minha hospedagem, era estar presente na minha viagem.  Eu e minha alma. Estávamos de férias. E assim saímos, eu e ela, a flanar por Milão.

(Continua em breve…)

8 comentários COMENTE TAMBÉM

Tão humano seu texto…me ajudou a reflexionar. Obrigada!

Ola Kareen adorei… perdi a minha agora 18/01/2015… ja nao me sinto mais eu mesma…me identifiquei muito. e

Olá Fatima, sinto muito. Não é fácil, e só quem já passou consegue entender. Força querida. Se posso lhe dizer algo, é seja amorosa e gentil com você mesma. Esteja ao seu lado.
Estamos aqui ok?
Beijo grande

Querida Kareen obrigada por suas palavras de carinho. E verdade que temos que reaprender a gostar de gostar, mesmo que no momento o colorido nao seja o mesmo…mas e preciso.A proposito da continuacao da historia, achei graca da “visita do ratinho”. Beijos.

Muito bom ! Muito bom ! Eu vivendo isso a vaca na cabeça e o ócio haha ! Aos 27 lutando contra um cancer, logo passa e eu quero mais é colocar a cara no mundo! Aguardando a.continuaçao ! Tudo de MUITO bom pra vc! beijos

Gutta, estou aqui torcendo e enviando as melhores vibes pra você _/\_
Todos os posts, até o fim do sabático, e outros, estão publicados aqui no site. Só clicar no meu perfil que acho que aparece.
Beijo grande querida, sinta-se abraçada e obrigada!

Gutta, estou aqui torcendo e enviando as melhores vibes pra você _/\_
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