Depois da minha passagem por Cinque Terre, restava um dia livre na Ligúria. Eu poderia voltar para uma ou duas das terres ou conhecer lugares novos, como Levanto e Porto Venere, ainda que em sentidos opostos, eu teria tempo. E uma das coisas boas de viajar sozinha/o é que você define o ritmo. Claro, se você tem uma alma gêmea e dá tudo certo de viajarem juntos – namorado/a, amiga/o, irmã/o – ótimo. Quando você não tem, ou seu período de viagem não “casa” com o de outra pessoa, o negócio é cair sozinha/o na estrada. E o importante é saber apreciar isso. Tem uma lista de vantagens, e também desvantagens (vou falar mais sobre isso aqui no blog no próximo update). Como boa sagitariana, prefiro não pensar nas desvantagens ou procuro transformá-las em vantagens.
Assim, a desvantagem de viajar sozinha se transforma em uma vantagem que é a liberdade. Talvez esse meu pensamento possa parecer egoísta, e talvez seja mesmo. Mas, a liberdade de acordar a hora que você quiser, de parar onde você quiser, de mudar de ideia sem ter que perguntar ou convencer alguém que sua ideia é melhor, e de fotografar a mesma estátua, por exemplo, de “n” ângulos… bem, me rendo a ela, a liberdade, sem problemas.
Era uma manhã fria, cinzenta e caia uma chuva fina em La Spezia. Eu estava livre para fazer o que quisesse, mas estava refém do tempo. Qualquer programa com aquela chuva seria um pouco chato ou menos bonito. Por isso, me rendi preguiçosamente ao tempo (ou às condições meteorológicas) e saí para tomar um cappuccino, fazer comprinhas e me despedir de La Spezia. Esperaria passar a parte da manhã para decidir que direção tomar.
Eu já tinha lido sobre Porto Venere e a chamavam de a “sexta terre”. Se eu já tinha gostado das outras, provavelmente iria gostar dessa. Assim, no tempo do tempo, quando a chuva parou, peguei o ônibus para lá.
A viagem seguiu por uma estradinha linda e sinuosa durante uma hora ou um pouco menos. Estar sozinha nessa hora pode ser uma desvantagem, a tendência é que você fique se perguntando será que é o ônibus certo? nossa que demorado chegar até lá… e se não for o ônibus certo? Eu também, mas aprendi a afastar esses pensamentos para somente apreciar a paisagem e também a rotina dos moradores da região. Pense que sozinha/o você está mais disponível e atenta ao que acontece ao redor.
Ao tempo do tempo, apesar do vento gelado, o Sol começou a se mostrar entre as pesadas nuvens. Quando chegamos em Porto Venere, embora eu não tivesse a paisagem das casas coloridas vertiginosamente penduradas nas montanhas, literalmente eu estava al mare – restaurantes charmosos, barcos a vela ou de pesca, e um clima de balneário tomava conta da cidade. Me senti numa tela de pintura. Foi como se o tempo das horas tivesse sido congelado para que aquela paisagem a minha frente permanecesse ali. Nunca esquecerei essa imagem e desse olhar sobre Porto Venere.
Sem um mapa, e sem querer um, comecei a andar por um “passeio” que se estende lado a lado com o mar. Encontrei um banco, aqueles, com cara de banco de praça, vazio, como se estivesse me esperando, me sentei para contemplar e ficar ali com o mar, a conversar com ele (como diria nossa amiga Alexandra, do Salotto).
Viajar é muito bom, e com o mar e aquele horizonte, me senti muito livre. Livre, e não mais assustada. Sim, porque a liberdade também pode amedrontar. Mesmo que seja para alçar novos, coloridos e felizes voos, sair da zona de conforto pode ser doloroso. Literalmente, eu senti isso uma semana antes de iniciar minha viagem. Tive uma crise de dor nas regiões lombar e abdominal. Assim tudo junto durante 3 ou 4 dias. Entrei em pânico. Pronto fiquei doente. Não posso viajar assim. Tenho que cancelar a viagem? Talvez adiar… E se eu piorar no avião? E como vou carregar a mala? Enquanto as “caraminholas” corriam soltas pelos cachos dos meus cabelos, consegui um horário com um “quiropata mago” e com a minha médica acupunturista, a quem apelidei de a fada madrinha das agulhas. Ela sabia que era urgente, expliquei o drama num rápido SMS. E quando cheguei, não precisei falar nada. Como sempre, ela me atendeu toda fofa e acolhedora, mas séria, e como quem quer dar uma bronca, disse: “por que você está se boicotando? Pode parar com isso. Você tem direito a ser feliz e se divertir. Nada de culpa. Vou cuidar de você agora, mas vá viajar sem se preocupar. Divirta-se e a dor vai passar”. Foi fato. Quase nem senti as horas da viagem de São Paulo para Londres. Já em Londres eu não senti nenhuma dor. Sair da casca dói. Mas é necessário. Voltei ao presente, àquele banco, e pensei, aqui estou eu, em paz, feliz, fora da casca.
Logo adiante, avistei um charmoso restaurante, fui até lá e almocei um polvo com batatas maravilhosamente saboroso acompanhado de uma taça do autêntico vinho branco, da Ligúria, geladinho. Fechei os olhos na intenção de congelar aquele momento para nunca esquecer o sabor da “terra” da Ligúria.
Ventava muito ainda, mas o Sol insistia em permanecer. Pensei, amém, hora de um gelato! Mas antes, quero me despedir desse mar, desse ar, desse infinito… Como eu queria ser como o mar e abraçar toda aquela imensidão. O mar e o céu eram um só. Invejei as gaivotas. E foi assim, numa fração de segundos que aquela paisagem não só ficou eternizada na minha memória, como me presenteou com um insight – o de me aprofundar na fotografia. Não era só a vontade de fotografar a viagem, ou ter mais um álbum lindo de fotos. Era a necessidade urgente e criativa de me expressar. Era “o escrever”, contar e captar estórias através das imagens. Quando cheguei em terras brasileiras, comecei a buscar isso e trabalhei nas versões do meu olhar sobre aquele cenário, do mar e do céu, onde acima corria uma estrada de nuvens.
Fiz uma reverencia ao momento e segui meu caminho, até descobrir a chiesa di San Pietro, uma linda construção de 1198, no estilo gótico, em meio aquela paisagem bruta de pedras, montanhas, mar e ventos fortes. Mais uma vez eu sentia a forza bruta da Ligúria.
Não poderia ser diferente, adiei o gelato, e fiquei mais algum tempo sem querer dar adeus para aquela terra. Mas o tempo, no seu tempo, também dava sinais de chuva. Era hora de caminhar por Porto Venere, e até chegar ao gelato, fui descobrindo adoráveis lojinhas de artesanato, de moda, tudo muito original e no melhor estilo italiano, e claro, comidinhas irresistíveis. Foi lá que vi uma mini horta do autêntico pesto genovês. Vontade de levar para casa, ou mudar a casa de lugar!
Finalmente, parei em uma gelateria e mantive a tradição de pedir o meu sabor preferido: pistache! Como plus, pedaços de chocolate. Ah Itália…
Segui para praça para saboreá-lo al mare e me misturei aos demais turistas que já começam a se movimentar para pegar o próximo ônibus. Descobri que não só de vinhos e frutos do mar vive Porto Venere. Muitos turistas vão para lá para praticar hiking. O Sol começava a se despedir deixando o tempo frio. Provavelmente o ônibus voltaria lotado para La Spezia. E assim foi. Com certa dificuldade eu e outros passageiros dividíamos aquele pequeno espaço, cansados, procurando um jeito de se segurar, às vezes um se apoiando no outro para manter o equilíbrio na sinuosa estradinha. Quase ninguém conversava. Mas o que se via em todos aqueles rostos do ônibus circular entre Porto Venere e La Spezia, era a mesma cara de felicidade.
4 comentários COMENTE TAMBÉM
Divimary
-Que leveza, delícia viajar com vc, Kareen! Gosto muito qdo vc fala sobre as fragilidades inerentes a todos nós, tb….sair da casca, da zona de conforto, geral/e é amedrontador e não deveria, pq não tem preço que pague a felicidade de se sentir livre, mas a gente sempre esquece. Leitura inspiradora, parabéns!
kareen terenzzo
-Oi Divimary, obrigada! Fico feliz em receber esse feedback, porque foi um exercício libertador pra mim escrever sobre meus sentimentos e publicá-los… Falar das fragilidades (e até rir delas, por que não?) me parece que não costuma dar audiência nos dias de hoje, rsss. Mas é bom saber que as pessoas interessadas nos (verdadeiros) sentimentos humanos estão presentes. Obrigada e até o próximo! beijos
Giuliana Wolf
-Oi Kareen!
Estou me atualizando no seu ano sabático! hehe que delícia ler essas histórias! Sempre que lembro da viagem que fiz para lá, de mochilão, me perdendo e tudo mais, a única coisa que (também) só consigo pensar é “Ah Itália…”, hehe!
bjos!
kareen terenzzo
-Oi Giuliana! Que tudo! Itália é uma farra e faz um bem à alma 🙂
Obrigada por aparecer aqui 😉
beijos
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