Um Ano Sabático – Parte IV

Al mare em Portovenere

Depois da minha passagem por Cinque Terre, restava um dia livre na Ligúria. Eu poderia voltar para uma ou duas das terres ou conhecer lugares novos, como Levanto e Porto Venere, ainda que em sentidos opostos, eu teria tempo. E uma das coisas boas de viajar sozinha/o é que você define o ritmo. Claro, se você tem uma alma gêmea e dá tudo certo de viajarem juntos – namorado/a, amiga/o, irmã/o – ótimo. Quando você não tem, ou seu período de viagem não “casa” com o de outra pessoa, o negócio é cair sozinha/o na estrada. E o importante é saber apreciar isso. Tem uma lista de vantagens, e também desvantagens (vou falar mais sobre isso aqui no blog no próximo update). Como boa sagitariana, prefiro não pensar nas desvantagens ou procuro transformá-las em vantagens.

Assim, a desvantagem de viajar sozinha se transforma em uma vantagem que é a liberdade. Talvez esse meu pensamento possa parecer egoísta, e talvez seja mesmo. Mas, a liberdade de acordar a hora que você quiser, de parar onde você quiser, de mudar de ideia sem ter que perguntar ou convencer alguém que sua ideia é melhor, e de fotografar a mesma estátua, por exemplo, de “n” ângulos… bem, me rendo a ela, a liberdade, sem problemas.

Era uma manhã fria, cinzenta e caia uma chuva fina em La Spezia. Eu estava livre para fazer o que quisesse, mas estava refém do tempo. Qualquer programa com aquela chuva seria um pouco chato ou menos bonito. Por isso, me rendi preguiçosamente ao tempo (ou às condições meteorológicas) e saí para tomar um cappuccino, fazer comprinhas e me despedir de La Spezia. Esperaria passar a parte da manhã para decidir que direção tomar.

Eu já tinha lido sobre Porto Venere e a chamavam de a “sexta terre”. Se eu já tinha gostado das outras, provavelmente iria gostar dessa. Assim, no tempo do tempo, quando a chuva parou, peguei o ônibus para lá.

A viagem seguiu por uma estradinha linda e sinuosa durante uma hora ou um pouco menos. Estar sozinha nessa hora pode ser uma desvantagem, a tendência é que você fique se perguntando será que é o ônibus certo? nossa que demorado chegar até lá… e se não for o ônibus certo? Eu também, mas aprendi a afastar esses pensamentos  para somente apreciar a paisagem e também a rotina dos moradores da região. Pense que sozinha/o você está mais disponível e  atenta ao que acontece ao redor.

Ao tempo do tempo, apesar do vento gelado, o Sol começou a se mostrar entre as pesadas nuvens. Quando chegamos em Porto Venere, embora eu não tivesse a paisagem das casas coloridas vertiginosamente penduradas nas montanhas, literalmente eu estava al mare –  restaurantes charmosos, barcos a vela ou de pesca, e um clima de balneário tomava conta da cidade. Me senti numa tela de pintura. Foi como se o tempo das horas tivesse sido congelado para que aquela paisagem a minha frente permanecesse ali. Nunca esquecerei essa imagem e desse olhar sobre Porto Venere.

Sem um mapa, e sem querer um, comecei a andar por um “passeio” que se estende lado a lado com o mar. Encontrei um banco, aqueles, com cara de banco de praça, vazio, como se estivesse me esperando, me sentei para contemplar e ficar ali com o mar, a conversar com ele (como diria nossa amiga Alexandra, do Salotto).

Viajar é muito bom, e com o mar e aquele horizonte, me senti muito livre. Livre, e não mais assustada. Sim, porque a liberdade também pode amedrontar. Mesmo que seja para alçar novos, coloridos e felizes voos, sair da zona de conforto pode ser doloroso. Literalmente, eu senti isso uma semana antes de iniciar minha viagem. Tive uma crise de dor nas regiões lombar e abdominal. Assim tudo junto durante 3 ou 4 dias.  Entrei em pânico. Pronto fiquei doente. Não posso viajar assim. Tenho que cancelar a viagem? Talvez adiar… E se eu piorar no avião? E como vou carregar a mala? Enquanto as “caraminholas” corriam soltas pelos cachos dos meus cabelos, consegui um horário com um “quiropata mago” e com a minha médica acupunturista, a quem apelidei de a fada madrinha das agulhas. Ela sabia que era urgente, expliquei o drama num rápido SMS. E quando cheguei, não precisei  falar nada. Como sempre,  ela me atendeu toda fofa e acolhedora, mas séria, e como quem quer dar uma bronca, disse: “por que você está se boicotando? Pode parar com isso. Você tem direito a ser feliz e se divertir. Nada de culpa. Vou cuidar de você agora, mas vá viajar sem se preocupar. Divirta-se e a dor vai passar”. Foi fato. Quase nem senti as horas da viagem de São Paulo para Londres. Já em Londres eu não senti nenhuma dor. Sair da casca dói. Mas é necessário. Voltei ao presente, àquele banco, e pensei, aqui estou eu, em paz, feliz, fora da casca.

Logo adiante, avistei um charmoso restaurante, fui até lá e almocei um polvo com batatas maravilhosamente saboroso acompanhado de uma taça do autêntico vinho branco, da Ligúria, geladinho. Fechei os olhos na intenção de congelar aquele momento para nunca esquecer o sabor da “terra” da Ligúria.

Ventava muito ainda, mas o Sol insistia em permanecer. Pensei, amém, hora de um gelato! Mas antes, quero me despedir desse mar, desse ar, desse infinito… Como eu queria ser como o mar e abraçar toda aquela imensidão. O mar e o céu eram um só. Invejei as gaivotas. E foi assim, numa fração de segundos que aquela paisagem não só ficou eternizada na minha memória, como me presenteou com um insight – o de me aprofundar na fotografia. Não era só a vontade de fotografar a viagem, ou ter mais um álbum lindo de fotos. Era a necessidade urgente e criativa de me expressar. Era “o escrever”, contar e captar estórias através das imagens. Quando cheguei em terras brasileiras, comecei a buscar isso e trabalhei nas versões do meu olhar sobre aquele cenário, do mar e do céu, onde  acima corria uma estrada de nuvens.

Fiz uma reverencia ao momento e segui meu caminho, até descobrir a chiesa di San Pietro, uma linda construção de 1198, no estilo gótico, em meio aquela paisagem bruta de pedras, montanhas, mar e ventos fortes. Mais uma vez eu sentia a forza bruta da Ligúria.

Não poderia ser diferente, adiei o gelato, e fiquei mais algum tempo sem querer dar adeus para aquela terra. Mas o tempo, no seu tempo, também dava sinais de chuva. Era hora de caminhar por Porto Venere, e até chegar ao gelato, fui descobrindo adoráveis lojinhas de artesanato, de moda, tudo muito original e no melhor estilo italiano, e claro, comidinhas irresistíveis. Foi lá que vi uma mini horta do autêntico pesto genovês. Vontade de levar para casa, ou mudar a casa de lugar!

Finalmente, parei em uma gelateria e mantive a tradição de pedir o meu sabor preferido: pistache! Como plus, pedaços de chocolate. Ah Itália…

Segui para praça para saboreá-lo al mare e me misturei aos demais turistas que já começam a se movimentar para pegar o próximo ônibus. Descobri que não só de vinhos e frutos do mar vive Porto Venere. Muitos turistas vão para lá para praticar hiking. O Sol começava a se despedir deixando o tempo frio. Provavelmente o ônibus voltaria lotado para La Spezia. E assim foi. Com certa dificuldade eu e outros passageiros dividíamos aquele pequeno espaço, cansados, procurando um jeito de se segurar, às vezes um se apoiando no outro para manter o equilíbrio na sinuosa estradinha. Quase ninguém conversava. Mas o que se via em todos aqueles rostos do ônibus circular entre Porto Venere e La Spezia, era a mesma cara de felicidade.

4 comentários COMENTE TAMBÉM

Que leveza, delícia viajar com vc, Kareen! Gosto muito qdo vc fala sobre as fragilidades inerentes a todos nós, tb….sair da casca, da zona de conforto, geral/e é amedrontador e não deveria, pq não tem preço que pague a felicidade de se sentir livre, mas a gente sempre esquece. Leitura inspiradora, parabéns!

Oi Divimary, obrigada! Fico feliz em receber esse feedback, porque foi um exercício libertador pra mim escrever sobre meus sentimentos e publicá-los… Falar das fragilidades (e até rir delas, por que não?) me parece que não costuma dar audiência nos dias de hoje, rsss. Mas é bom saber que as pessoas interessadas nos (verdadeiros) sentimentos humanos estão presentes. Obrigada e até o próximo! beijos

Oi Kareen!
Estou me atualizando no seu ano sabático! hehe que delícia ler essas histórias! Sempre que lembro da viagem que fiz para lá, de mochilão, me perdendo e tudo mais, a única coisa que (também) só consigo pensar é “Ah Itália…”, hehe!

bjos!

Oi Giuliana! Que tudo! Itália é uma farra e faz um bem à alma 🙂
Obrigada por aparecer aqui 😉
beijos

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