Um Ano Sabático – Parte V

Estava muito ansiosa para chegar em Florença. Comprei a passagem um dia antes e ainda assim errei o horário de partida do trem… Cheguei duas horas antes. O chá de espera na Stazione foi compensado por um pedaço divino de torta da nona. Lá estava eu, mais uma vez esperando o trem, procurando algo para matar o tempo e atenta às possíveis (e frequentes) mudanças de plataforma. O que de fato aconteceu. Corri escadas abaixo (e acima) para embarcar com alguma calma, porque eu já estava tensa só de pensar onde e como eu iria acomodar minha mala dessa vez.

Foi então que uma italiana se aproximou e perguntou (em italiano obviamente) se aquele trem era o que seguiria para Florença. Embora eu tenha entendido, expliquei que não falava italiano, mas mostrei meu ticket e fiz aquele gesto natural de afirmação seguindo de “sì sì sì”. Foi o suficiente, para que eu e Roberta, que é de San Marino, muito sorridente e simpática, nos tornássemos companheiras de viagem. Ela não entendia inglês. Nada. Eu não falo italiano. Mas como ela bem resumiu aquele “encontro”: em duas é mais fácil, ela dizia, e em italiano, claro. E enquanto Roberta repetia a frase, uma ajudou a outra a colocar as malas no maledetto bagageiro,  já que não havia sinal de nenhum Deus italiano. Não me perguntem como, mas conversamos praticamente durante quase todo o trajeto de 3 horas, até nos ajudarmos novamente com as bagagens e nos despedirmos na estação final.

Stazione de Santa Maria Novella. Florença! Florença dos meus sonhos. Fiquei parada alguns segundos pensando, como, e por que, nunca tinha estado lá? Enquanto penso sobre isso, melhor pensar acompanhada de um cappuccino. Fui até a cafeteria – linda, maravilhosa, cheia de gostosuras – e não tive dúvida. Meus olhos apontaram diretamente para um atraente sanduíche de prosciutto no pão roseta. Detalhe… Não comia (e não como) carne vermelha há anos, o que dirá prosciutto. É fato, eu estava faminta, mas comi aquele sanduíche com uma vontade diferente. Com prazer. Tomei então meu cappuccino e descobri o canoli siciliano. A vida nunca mais voltou a ser mesma. Nem meu peso, diga-se de passagem. Meio que comecei a rir sozinha: estou  na Itália! Estou na Itália! Mangia mangia…

Minha chegada não poderia ter sido melhor. Meu quarto no hotel tinha uma aconchegante varandinha com vista para os telhados de Florença (obrigada Senhor!). Logo depois, saí para jantar e na melhor companhia: com a querida Consuelo! Com direito a gelato pós jantar, seguimos depois para a Piazzale Michelangelo e lá estava a noite de Florença em uma vista espetacular. Um sonho se realizava.

Então amanheceu… O que dizer de uma cidade que você sempre quis conhecer? Não bastasse ser linda, a arte está presente em todos os lados, a comida é maravilhosa, e tem ainda histórias incríveis para contar. Tudo parecia perfeito a mim. Era exatamente como eu esperava. E com muita gente também, que como eu, pareciam realizar um sonho. Who cares? Eu estava na cidade do Renascimento, em plena primavera, e não ao acaso, no meu próprio renascimento.

No primeiro dia saí sem mapa. Meu único objetivo era caminhar e apreciar a paisagem, as pessoas, me perder pelas ruas. E assim foi. Literalmente eu flanei por Florença. Enquanto caminhava pela margem do Arno, senti aquela emoção boa que a gente sente apenas uma vez ou outra na vida – uma sensação física que desce da cabeça aos pés, como um arrepio. Segundo uma amiga, terapeuta holística, quando sentimos isso por um lugar, ou por uma pessoa, é como se fosse uma confirmação de que existe, ou já existiu uma conexão antes. Romântica que sou e conectada com a espiritualidade, mantive essa teoria que me contagiou de emoção e alegria pelos dias que se seguiram. De certa forma até meio contida, mas estava lá, no meu coração que sorria por dentro.

E assim, como um flaneur segui me perdendo entre vielas e piazzas, me esgueirando dos grupos de turistas, até avistar o Palazzo Pitti onde acabei me rendendo a um cappuccino. Havia uma exposição The dream in the time of Renaiscence que tratava sobre como começou o movimento do Renascimento em Florença a partir do olhar do sono, dos sonhos… a transmigração da alma“Transmigration of the soul. To sleep, perchance to dream. Vacation animae”, ou, o sono, os sonhos são uma janela para outro mundo, uma experiência inexplicável e criativa, explicava a curadoria. Fui profundamente tocada por esse olhar sobre o Renascimento. Não havia mais dúvida. Em meio a dor, a tristeza, a solidão, o medo, era vez do amor, da alegria, da liberdade, da coragem. Do Renascimento. Talvez, eu seja uma pessoa que se impressiona facilmente, mas essa exposição foi reveladora para aquele momento que eu já estava vivendo. Talvez por isso, eu não estive antes em Florença. Somente agora. Como aquele último pedaço do meu doce favorito, ou aquele último gole de  vinho. O melhor fica para o final. Tudo tem seu tempo.

Uma sensação muito interessante me acompanhou em Florença. Foi como se eu estivesse andando, ou flutuando, em uma bolha transparente. Não, não foi nenhuma experiência lisérgica (risos). Nem foi excesso de vinho. Eu estava lá, mas me sentia com uma observadora “distante”, onde eu podia ver tudo, mas não podia ser vista. Uma sensação plena de leveza e presença. Seria a transmigração da alma?

Florença pra mim é dourada. É lá que a luz se esconde. Todas as pessoas parecem felizes. Como se só o fato de estar lá, já fosse a diversão principal. Um cigarro atrás do outro é aceso. Assim como (imagino eu) um gelato é vendido a cada segundo. As pessoas caminham pelas ruas,  ou circulam de ônibus, micro-ônibus, bicicleta, carro, e claro, de scooters. Entendi então a obsessão italiana pela “maquina” (o carro). Não é a toa que Alfa Romeo, Ferrari, Maserati, Lamborghini, Fiat, e Vespa, são italianas! Eu, que não entendo nada de carro, me diverti e ria sozinha pelas ruas com esse pensamento. Também não resisti às comprinhas básicas de roupas e acessórios do lifestyle italiano. Mas mantive meu trato: não apenas os sentimentos do passado ficaram para trás como uma sacolinha com camisetas e até uma bota que já havia percorrido (incansavelmente) Londres, Milão e Cinque Terre. Com ela, um bilhetinho para camareira: não preciso mais dessas coisas. Pode dar o destino que você ou o hotel acharem melhor. A ordem era carregar menos peso e deixar entrar o novo. Em tudo e na vida.

Meus dias eram longos, mas muito curtos considerando tudo que havia, e há, para ver em Florença. Entre estátuas e pessoas que se misturavam umas às outras, eu me locomovia de um lugar ao outro, seduzida vez ou outra por um gelato, um cappuccino ou uma foto imperdível. Visitar e subir na cúpula do Duomo, ver de perto o Davi de Michelangelo e outros tesouros na Galleria dell’Accademia, visitar a Uffizie e os highlights do Renascimento, visitar o Museo del Bargello e comer um sanduíche no I Fratellini (dicas preciosas da Consuelo!), e ainda, participar do happy hour do Salotto com gente linda e bacana, ir na Pizzaria da Consuelo (ups, do Rocco), assistir ao pôr-do-sol na Piazzale Michelangelo, ou ser surpreendida por um casamento em pleno pátio do Palazzo Vecchio, ou por uma missa na chiesa Orsanmichele, ente outras tantas coisas, uau! Definitivamente, emoções indescritíveis. Uma vida em dias. 

Florença é também pra mim uma cidade dos sentidos. Do despertar dos sentidos. Além da sua beleza e o sabor da sua culinária, pelos seus aromas – do rio Arno na brisa da manhã ou da tarde, dos cappuccinos,  dos espressos, dos pães, dos gelatos, das pastas, do formaggio, do vinho… Dos sons das buzinas e sirenes, dos buongiorno, ciao, grazie, prego ou dos “n” idiomas falados pela cidade, e dos sons da alma quando totalmente ao acaso é como se você estivesse entres os anjos e passar por uma chiesa onde uma coral ensaia ou se apresenta. E claro, em algum momento, você vai ouvir o sino de uma igreja, ou se surpreender com violinistas tocando maravilhosamente bem em uma das suas pontes.

É uma cidade feminina. Ou de aura feminina. Talvez eu tenha concluído isso, ou tenha essa percepção, devido ao seu símbolo, a flor-de-liz (o giglio rosso), ou talvez porque associe a cidade à (Alegoria da) Primavera, de Botticelli, uma entre outras tantas obras de arte que meu olhar recai sobre a presença do feminino no Renascimento. Ou ainda, por conta das virtudes florentinas, algo que despertou meu olhar acerca de outras coisas. A representação das virtudes (são elas, justiça, força, temperança e prudência)  é feminina...

Entre flashes e poses para fotos, ou apenas para passar de um lado para o outro da cidade, ou encher os olhos com a gioielli italiana, ou quem sabe deixar lá sua promessa de amor eterno, a Ponte Vecchio, que no passado foi um lugar politicamente estratégico, e por pouco escapou de ser destruída na Segunda Guerra Mundial pelos alemães, deve ser hoje o lugar com o maior tráfego de pessoas por metro quadrado, se não Itália, pelo menos em Florença. Talvez perca para Veneza. Fiquei tentando lembrar os filmes que assisti e que tem Florença como cenário… Como Woody Allen ainda não filmou aqui?

Além da Ponte Vecchio, por toda cidade se vê casais apaixonados, estudantes, e tantos outros turistas posando para fotos em todos os lugares que possam ser significativos. Cinematográficos. Difícil descobrir qual não é significativo e cinematográfico se tratando de Florença, a cidade dourada, dos sentidos, das artes, de Michelangelo, dos poetas, de Dante. Do Renascimento. Dos meus sonhos.

 

2 comentários COMENTE TAMBÉM

Kareen, bom dia!! Adoro os teus relatos!! Entro completamente na tua viagem;
Um bj grande
Maria

Maria querida! Que bom vê-la aqui também!
Pode vir na garupa 😉
Beijo grande

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