O que Deborah Colker me ensinou sobre o amor

Seria mais uma terça-feira comum de trabalho, academia e aula de Kabbalah. Mas no fim do dia recebi um convite irrecusável da Gisele Correa, minha professora de yôga: assistir ao espetáculo da Deborah Colker, às 21h. Apesar do cansaço, não hesitei nem por um segundo. Me lembrei na hora da apresentação Belle, que fomos juntas no fim do ano passado, e da qual saí em êxtase. Acho que só quem já assistiu a um espetáculo coreografado por ela pode entender do que eu estou falando.

Criado para a 6ª Bienal de Dança de Lyon, na França, “Mix” estreou em 1996 e mistura elementos de outros números da companhia, “Vulcão” e “Velox”. Nele, quadros como “Máquinas”, “Desfile”, “Paixão” e “Mecânica” retratam sentimentos. E foi justamente a “Paixão” (sempre ela!) que me inspirou a escrever este post. Aqui vou tratar a relação como menina e menino, que é a minha realidade, mas esqueça o gênero e imagine a sua versão de amor.

Voltemos para o ano 2000. Na época eu tinha 15 anos e vivia amores platônicos, quase sempre improváveis, para não dizer impossíveis. Um menino gostava de mim, mas eu gostava de outro menino que gostava de outra menina que por sua vez gostava de outro menino… A história te parece familiar? Pois então. Aparentemente todo mundo já se viu dentro de um triângulo (ou quadrado, pentágogo, hexágono…) amoroso. Se não, que sorte a sua! Porque vou te falar que dá uma dorzinha no peito não ser correspondida e também dá um outro tipo de dorzinha no peito não conseguir corresponder a um amor que não te balança e bagunça toda. Porque nesta idade o que queremos é o coração a mil, né? Se bem que, pensando bem, acho que não só naquela idade. Eu quero isso até hoje!

Bom, tudo isso para contar que a primeira cena da coreografia é exatamente essa: a bailarina corre atrás de um bailarino que está correndo atrás da outra bailarina… “Quem eu quero não me quer, quem me quer mandei embora”. Calma. Como a vida é cheia de surpresas e seria uma monotonia se tudo continuasse assim, não demora muito e a primeira moça se cansa dessa corrida insana e decide ficar sozinha ou, sei lá, resolve prestar atenção em outro bailarino que entra em cena. E sabe o que acontece? O cara se dá conta de que gosta mesmo é da outra e, então, o sentido da corrida muda. Ai ai… Os “assuntos” do coração que teimam em andar no timing deles e sem pedir opinião da razão. E nesse conflito de sentimentos e tempo de cada um, a mágica acontece ou o feitiço se quebra. Sim, uau ou Não, ew? Você quem decide. E, cá entre nós, não adianta forçar. Simplesmente acontece.

Um pout pourri de canções sobre o amor embala movimentos apaixonantes (com a perdão do trocadilho) que revelam cenas de relacionamentos pelos quais eu passei, você passou, seu atual namorado passou, seu ex e até seus amores que nunca souberam do seu amor por eles, passaram. No começo é aquela alegria: a empolgação da conquista, das conversas, do cafuné, ele te coloca lááá nas alturas (literalmente), depois te deixa de cabeça pra baixo, em seguida te faz “voar”. Vocês ficam tão grudadinhos que parecem um, dançando no mesmo ritmo, olhando para o mesmo lado. Aaah, que delícia! O movimento do amor é tão fluído que é literalmente uma dança. Ele vai para onde você vai, como a graça e leveza de um pax des deux. Ficamos até tontas de tanto rodopiar… quem não?

(Parênteses: por um momento saio de uma vida vivida até então sob os holofotes e finalmente passo a assisti-la como espectadora. Sabe aquele lance de terapia no qual o psicanalista te obriga a enxergar a situação vista de fora, de outro ângulo ou como alguém que não te conhece? Geralmente o cenário muda bastante de forma, certo? Aí caiu a minha ficha e passei a ver em cada um dos casais no palco cenas do meu passado. Bizarro, mas fez muito sentido! Não sou mais a bailarina no palco, mas a Bia cheia de medos, incertezas, vontades observando o ballet e, mais que isso, seus sentimentos).

Aí vem a maturidade. Você está em equilíbrio, ama também o equilíbrio do outro e o que equilíbrio que conquistaram juntos. Você pode sair correndo e pular nos braços dele de olhos fechados e ter a certeza de que ele vai te segurar. Como também vai te levantar e te encher de beijos se você cair ou te derrubarem. Ele estará ali em toda e qualquer situação. Vocês dançam juntos e, mesmo distantes, dançam a mesma música, no mesmo ritmo, em sintonia. Não é incrível este paralelo? Por um instante lembrei de mim “voando alto” nos vários planos que já fiz, mas que por algum motivo jamais vivi… AINDA. Rs!

Mas, mais cedo ou mais tarde o lado esquisito e misterioso vem a tona para alguns. E aqui tenho certeza de que você vai se lembrar porque mesmo não deu certo seu último amor. Oras, não deu porque não tinha que dar. Não deu porque éramos diferentes. Não deu porque ele não parou na minha peneira, diria Jout JoutNão deu porque ele se apaixonou por outra. Uai, eu me apaixonei por outro. Ele cansou. Eu desisti. Sei lá, gente! Na verdade hoje em dia eu prefiro pensar que deu e deu muito certo por determinado tempo. Tão melhor assim, não? Lembrar com amor e respeito…

Voltando a dança, graças a Deus eu não tive a má sorte dos tapas, puxões pelo braço e tantos outros “pega pra capar” encenados. Afinal, respeito é bom e eu gosto! Mas já vi cara virada, bico, ciúmes e esconde-esconde maravilhosamente representados pelos bailarinos da Cia. Cá entre nós essas emoções deveriam se restringir aos palcos, mas no fundo no fundo são essas experiências que nos fazem crescer e é exatamente esse mix de coisas boas e não tão boas que nos tornou o que somos hoje.

E a trilha sonora? Meu Deus! Cada cena foi precisamente criada para cada música que se sobrepunha a anterior… Momento alto: Ne me quitte pas “…dizem que sou louco, por eu ter um gosto assim, gostar de quem não gosta de mim…” Quem nunca?!

A real é que no final todos os homens somem e restam apenas duas moças em cena: uma delas fica literalmente com “a cara no chão” e outra “de pernas para o ar”. Aí cabe a cada um fazer sua própria interpretação, mas como costumo sempre ver o copo meio cheio, tentei enxergar o lado bom da coisa. Algo como “fiquei de pernas para o ar com esse amor”. Sim, tendo a romantizar os finais. Mas, gente, como diria minha outra musa Amélie Poulain, “times are hard for dreamers”. E eu sou sonhadora mesmo. Sempre vou ser…

As luzes vão se tornando cada vez mais intensas, e é um vermelho intenso, a chamada “cor do amor”. Ou seria a cor do nosso interior, cor de sangue que enxergamos quando nos causam uma ferida? É… mesmo que a cicatriz não seja externa, dói. Nossa, dói pra caramba! E quem nunca passou por essa dor? Aqui, peço licença para entrar no tema apontado na aula de hoje da Kabbalah que coincidentemente falava sobre a “dor do amor”. Não, Bia… não há coincidências segundo os kabalistas. Tudo está conectado e tem um porquê. As melhores e principais mudanças acontecem por causa e depois da dor, do vazio. Só assim há uma mudança real e permanente. Você vai discordar, mas só à princípio. Depois de passar por qualquer luto tu vai me dizer que eu tinha razão.

As luzes se apagam e o aplauso acompanhado de gritos emocionados tomam conta do teatro. Disfarço, enxugo os olhos e a nostalgia acompanhada de um certo encorajamento tomam conta de mim – fui bailarina por 14 anos, né? Minha vontade é subir no palco com a certeza de que agora sim, estou preparada para o Ato II do espetáculo da minha vida. Mesmo com o frio da barriga dos minutos que antecedem a pré-estreia de uma nova coreografia (na qual não quero e não vou terminar com a cara no chão e sim de pernas para o ar), ouço no pé de ouvido a saudação “merda” – que nos palcos quer dizer “sorte” – seguida de uma injeção de confiança e auto-estima. Olho para o alto, para Ele, e digo: “Estou pronta. Aperte o play e acenda a LUZ!

P.S.: Obrigada pelo convite, Gi.

6 comentários COMENTE TAMBÉM

Coisa mais linda esse texto Bia!! Muito obrigada pelo presente nessa quarta-feira! <3 Mais amor, por favor!
bj
Cris

Sensacional!!!! O seu texto é maravilhoso e suas reflexões são frutos de muita inteligência e maturidade. Bjs

Me teletransportei agora! Sentei no teatro, assistir o espetáculo e conseguir enxergar várias cenas da minha vida narrada por Você, Bia. Encenada como dança pelo corpo de ballet e vivida por mim! Simplesmente reações maravilhosas que só a arte pode causar em alguém! Obrigada por colocar mais arte em minha Vida!

Biiii, eu simplesmente amei esse texto! O espetáculo foi emocionante e você, com a sua sensibilidade, conseguiu captar a essência do que vimos! <3 Muito lindo! Eu que agradeço pela companhia e pela amizade! Suuuper beijo.

[…] – Minhas dicas de estilo no ILoveEcommerce – Usando fotos na decoração – Sobre o amor e a dança – Eataly São Paulo – A vez do […]

Comentários fechados.

quem faz os achados
Colaboradores